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General brasileiro diz que pode usar força contra milícias no Congo – @gazetadopovo



O general de divisão brasileiro Ulisses Mesquita Gomes, designado pela ONU para chefiar a parte militar da missão de paz na República Democrática do Congo, na África, afirmou que priorizará diplomacia, mas não hesitará em utilizar a força para libertar Goma e ao menos outras quatro cidades invadidas pelo grupo rebelde M23 neste mês.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o general Ulisses, como é conhecido no meio militar, explicou que a principal cidade do leste da República Democrática do Congo foi invadida por rebeldes que não tinham características de uma milícia ou grupo armado, mas sim de um exército regular. Segundo ele, há fortes indícios de que eles receberam ajuda de outro país para controlar uma região do Congo rica em minerais.

“O problema é que houve um desequilíbrio de forças com apoio externo com tropas, equipamentos, sistemas de armas, armamento artilharia, armamento pesado, drones, interferidor de sinais. A gente [ONU] não realiza operação ofensiva contra um exército regular. A Monusco para mim cumpriu a missão dela”, afirmou o general.

Ele não nomeou quem forneceu apoio aos rebeldes do M23 por se tratar de uma questão política que deve ser discutida pelo Conselho de Segurança da ONU e não por comandantes militares. Na última reunião do órgão, realizada na terça-feira (28), a representação do governo da República Democrática do Congo acusou o governo vizinho de Ruanda de apoio ao M23. Diplomatas de Kigali não negaram, mas acusaram o presidente congolês, Félix Tshisekedi, de querer derrubar o governo de Ruanda.

Após combates que resultaram nas mortes de 17 soldados da ONU e em uma onda de 400 mil deslocados internos na região dos Grandes Lagos da África, os rebeldes do M23 continuam consolidando seu controle sobre Goma. Seu líder, Corneille Nangaa, afirmou que vai continuar a campanha militar e invadirá outras cidades com o objetivo final de derrubar o governo de Tshisekedi em Kinshasa.

O general Ulisses foi escolhido oficialmente na terça-feira (28) para chefiar a parte militar da MONUSCO (Missão das Nações Unidas para a Estabilização da República Democrática do Congo). Ele terá a ajuda de outros 15 brasileiros, mas a maior parte das forças da ONU é formada por tropas internacionais. Ele disse que está aguardando ordens da ONU e está pronto para partir.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista do general Ulisses:

Gazeta do Povo – O mandato da Monusco desde 2013 permitia a realização de ações ofensivas da ONU contra os rebeldes. O senhor ainda terá essa possibilidade?

General Ulisses – É uma missão de paz robusta. Temos organismos regionais que contribuem. Tem a SADC [sigla em inglês da Comunidade de Desenvolvimento do Sul da África], tem a EAC [sigla da Comunidade do Leste da África]. São organismos regionais como a União Africana que colaboram com a FIB [Brigada de Força de Intervenção da ONU, a tropa de caráter ofensivo da MONUSCO], que essa sim tem o mandato de utilizar a força para neutralizar, impedir e parar os grupos armados. Então eu posso usar a força com a FIB em parceria com a SAMIDRC [sigla da missão de paz da SADC]. Essas duas têm o mandato para proteger os civis e para realizar também operações ofensivas para impedir ou neutralizar os grupos armados. Isso sim é possível.

Gazeta do Povo – Qual deve ser a abordagem inicial de seu comando: tentar impedir o agravamento da situação humanitária ou partir para ações ofensivas como as de 2013? Ou ambos?

General Ulisses – Eu vou seguir o mandato da ONU. A primeira prioridade é a proteção dos civis. É uma missão humanitária, nós vamos lá primeiro para proteger os civis, e vamos atuar também apoiando a SRSG [sigla em inglês que designa a representante especial do Secretário-Geral da ONU, a diplomata Bintou Keita] na parte diplomática com o governo e outros países que estão envolvidos ali. E eu vou usar da minha diplomacia militar, eu fui adido nos Estados Unidos, para demover os grupos armados e vou trabalhar junto com a FRDC, as forças armadas congolesas, para a gente também distensionar algumas coisas que podem vir do lado de cá.

Mas a ideia é primeiro focar na proteção dos civis, diplomacia militar, apoiar a diplomacia que é feita pela SRSG, não é minha, dar todo o apoio para ela, para a chefe da missão e, se preciso for, não hesitarei: eu utilizarei a força para proteger civis ou para neutralizar grupos armados utilizando a FIB [Brigada de Força de Intervenção da ONU] de forma que a gente cumpra o mandato. Lembrando que temos três princípios basilares da ONU, que são: a não interferência, a imparcialidade e a utilização da força em defesa do mandato ou da própria defesa.

Gazeta do Povo – O Relatório Cruz, que é uma doutrina escrita pelo primeiro comandante brasileiro das forças da ONU e da FIB na República Democrática do Congo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, diz em linhas gerais que a ONU não deve dividir suas forças por todo o país em posições de defesa, mas sim concentrá-las e tomar a iniciativa de atacar grupos rebeldes que gerem ameaça. Essa seria a estratégia mais adequada para lidar com a situação atual e minimizar a perda de tropas?

General Ulisses – Eu fiz parte da implementação do relatório do general Santos Cruz. Eu concordo com tudo que está ali. Eu inclusive criei um curso de Comandante de Batalhão de Força de Paz que eu apliquei duas vezes em Entebe, na base da ONU, em Uganda, de forma a desenvolver a liderança, que é um dos itens principais, de cima para baixo no comando.

O relatório do general Santos Cruz tem que ser seguido à risca, ele tem muita experiência, foi Comandante das Forças da ONU em duas situações críticas, tanto no Haiti quanto no Congo e ele é muito respeitado e seguido na ONU. Tudo o que ele fala no relatório eu vou utilizar. Inclusive eu coloquei esse conteúdo na revisão do manual do Batalhão de Infantaria das Nações Unidas. Eu era o chefe da parte de política, doutrina e treinamento [no Departamento de Missões de Paz da ONU] e eu fiz a revisão do manual novo. E todos os itens que o general citou nós implementamos nesse manual novo que é o que rege os batalhões de infantaria. A maioria da tropa da ONU é formada por batalhões de infantaria.

Gazeta do Povo – Como o M23 conseguiu entrar em Goma? Teve alguma posição mais passiva da ONU ou da própria Monusco ou a não implementação das estratégias do relatório Cruz para acontecer isso? Eu sei que no momento o comando estava nas mãos do Senegal, mas o que deu errado?

General Ulisses – Eu não creio que foi inação da ONU, não foi falta de implementação do relatório, até mesmo porque o general [do Exército Brasileiro, Otávio Rodrigues de] Miranda Filho estava lá [em 2024] e a missão estava indo bem. O que eu creio que aconteceu foi o fortalecimento e apoio externo [ao M23], não vou citar o país, com tropa, equipamento e armamento. A tropa da ONU não é feita para atacar uma força armada, nós fomos feitos para atacar grupos armados. As medidas que deveriam ter sido tomadas pela MONUSCO foram tomadas. O problema é que houve um desequilíbrio de forças com apoio externo com tropas, equipamento, sistemas de arma, armamento artilharia, armamento pesado, drone, interferidor de sinais, então houve um desequilíbrio. A gente não realiza operação ofensiva contra um exército regular. A Monusco para mim cumpriu a missão dela.

Gazeta do Povo – Mesmo com esse desequilíbrio os capacetes azuis enfrentaram os rebeldes em Sake, não foi?

General Ulisses – As forças da ONU engajaram os rebeldes, tanto é que perdemos vário peacekeepers. Eu lamento pelas mortes desses soldados. Porém, eu retorno a dizer: houve um desequilíbrio enorme, com apoio externo a esse grupo armado com interesse em dominar aquela área rica em minérios, especialmente o coltan, o ouro, o diamante e outros minérios ali. A força era muito maior, entraram quase quatro mil homens dentro de Goma, que é uma capital regional enorme. Houve um desequilíbrio e as forças armadas, mas mais do que isso eu não posso falar porque eu não estou lá.

Gazeta do Povo – No Conselho de Segurança da ONU se falou que a solução para o conflito tem que ser política e não militar. Como o sr vê o caminho para a paz?

General Ulisses – Eu acredito que a solução é política. Nós militares vamos dar a segurança para que o componente político da Monusco, a SRSG [sigla em inglês que designa a representante especial do Secretário-Geral da ONU], juntamente com as forças armadas do Congo e esses organismos regionais, as tropas, a SAMEDRC [missão de paz africana] e a FIB [Brigada de Força de Intervenção da ONU], que estará sob o meu comando, vão dar as condições para a solução política. Em que sentido? Proteção de civis, estabilização da segurança e promover a reforma do setor de segurança e a parte de desmobilização, desarmamento e reintegração.

A gente vai auxiliar a ONU nisso, mas a solução ela é política, cabe a atores como diplomatas e o governo congolês, com apoio dos organismos regionais. Eu acredito nos processos [cúpulas para negociações de paz] de Luanda e de Nairobi. Isso é a solução africana. Eu acredito que os estados-membros do Conselho [de Segurança da ONU] países, potências, podem dar sanções econômicas e embargos a países que estão apoiando o M23. E aí sim retirar o M23 de Goma para a gente reestabelecer a ordem junto com a FRDC [Forças Armadas da República Democrática do Congo] com outros componentes.

Eu não trabalho sozinho, eu trabalho sob o comando da chefe da missão que é a Madame Bintou Keita [diplomata da Guiné, representante do Secretário-Geral da ONU Antônio Guterres] em conjunto com o componente civil e com o componente policial. É um conjunto, temos que funcionar como uma engrenagem. Agora, para mim, a solução é política via canal diplomático entre esses organismos regionais. Porém nós estaremos lá para apoiar na proteção de civis e, se preciso for, utilizar a força para fazer valer o mandato. Porque eu sou autorizado a usar força para cumprir o mandato realizando operações ofensivas.

Gazeta do Povo – O general Santos Cruz foi chamado para comandar a MONUSCO em 2013 durante uma grande crise, quando os rebeldes ameaçavam invadir Goma. Ele conseguiu impedir isso e venceu os rebeldes. O senhor agora chegará em outra grande crise. Como encara pessoalmente o desafio em um cenário que parece ainda mais desafiador?

General Ulisses – É uma satisfação e uma honra representar o Exército Brasileiro, nossas Forças Armadas, e a bandeira brasileira na maior missão de paz da ONU no mundo. É uma missão difícil, grande, então eu vejo isso como um privilégio, mas vai ser um desafio. O Exército me deu várias oportunidades durante a carreira, não só no exterior, mas especialmente dentro do Brasil, como formação e locais em que eu servi. Então eu me sinto muito seguro de cumprir essa missão.

Para o Brasil eu vejo uma deferência e um destaque. A gente já teve participação em muitas missões de paz, notadamente no Haiti, onde todos os Force Commanders [comandantes gerais] eram brasileiros e agora no Congo eu sou o sexto general. Isso demonstra a capacidade do soldado brasileiro.

Eu sei que vai ser um desafio muito grande e quero manter o legado dos outros generais que comandaram no Congo. Mas principalmente quero lutar para proteger o mais importante de tudo: as vidas dos civis.



Acesse esta notícia no site do Gazeta do Povo – Link Original

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