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Brasil ainda pode recuperar status de liderança sul-americana? – @gazetadopovo



A liderança brasileira na América do Sul vinha sendo colocada em xeque após atual gestão petista falhar em solucionar impasses na região, como a crise política na Venezuela, as ameaças de Nicolás Maduro contra a Guiana e a opressão de Daniel Ortega na Nicarágua. O veto do Brasil ao pedido da Venezuela para entrar no bloco Brics foi uma forma de mostrar poder na esfera regional. Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não responder a uma escalada de ofensas do país vizinho, porém, pode ser taxado de fraco, segundo analistas ouvidos pela reportagem.

O lance mais recente na escalada de atrito entre a Venezuela e o Brasil foi uma publicação na rede social Instagram feita pela polícia venezuelana. O post trazia uma bandeira do Brasil, um vulto similar à silhueta do presidente Lula e a mensagem: “Quem se mete com a Venezuela seca. Nossa pátria é independente, livre e soberana. Não aceitamos chantagem de ninguém. Não somos colônia de ninguém. Estamos destinados a vencer!”.

Por meio do Itamaraty, o Brasil se manifestou sobre o tom ofensivo do post da Venezuela e criticou a opção da ditadura de Maduro por ataques pessoais. Após a nota brasileira, a postagem foi apagada das redes sociais da polícia venezuelana.

Na última semana, durante encontro dos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Irã), que ocorreu na Rússia, o ditador Vladimir Putin divulgou uma lista preliminar com 13 nações cotadas para ingressarem aos Brics como “membros associados”. No documento, Venezuela e Nicarágua não estavam inclusas, apesar de terem solicitado adesão ao grupo, devido a um veto do Brasil.

Oficialmente, o posicionamento ocorreu porque a Venezuela não aceitou dialogar sobre seu processo eleitoral, momento em que a oposição apresentou evidências fortes de que Nicolás Maduro perdeu a disputa para Edmundo González. Mas a ação está sendo interpretada como uma demonstração de força do Brasil para demonstrar liderança na América do Sul.

“O Brasil, ao adotar essa posição, pode estar buscando assegurar que a expansão do grupo não comprometa seus objetivos estratégicos e posição de líder regional”, avalia Leandro Barcelos, gerente de comércio internacional da BMJ Consultores Associados.

O regime de Maduro reagiu e convocou a Caracas seu embaixador em Brasília, Manuel Vadell, e também o encarregado de negócios do Brasil na embaixada da Venezuela, Breno Hermann. O gesto foi considerado uma retaliação na linguagem diplomática. Se o Brasil não fizer o mesmo, o governo Lula pode ser considerado fraco, de acordo com o princípio da reciprocidade nas relações internacionais.

A gestão do presidente Lula é marcada pela proximidade com ditaduras latino-americanas de esquerda, especialmente Cuba e Venezuela, com as quais o petista teve amizades com seus principais ditadores: Fidel Castro e Hugo Chávez, respectivamente. O petista chegou a defender que Caracas fosse integrada aos Brics, mas retirou tal apoio após a crise política instaurada no país nos últimos meses.

O relacionamento do Brasil com a Venezuela está estremecido desde a polêmica reeleição de Nicolás Maduro em julho, marcada por fraudes eleitorais e pelo aumento da repressão contra opositores. Com o agravamento da crise política e humanitária no país, Brasília tentou intermediar diálogos e promover estabilidade, mas não obteve sucesso.

O Ministério de Relações Exteriores brasileiro também se dispôs a encontrar uma solução pacífica para o impasse entre Venezuela e Guiana, após as ameaças de Maduro de invadir e ocupar Essequibo, região rica em petróleo e recursos naturais que representa cerca de 70% do território guianense.

Um possível conflito na fronteira fez as Forças Armadas do Brasil se mobilizarem reforços na região neste ano. Fontes do órgão afirmaram à reportagem que, apesar dos atritos diplomáticos, não houve aumento de tensão entre tropas estacionadas em Roraima e as forças venezuelanas do outro lado da fronteira.

A essas situações, somaram-se ainda os esforços para encontrar uma solução com relação à perseguição de Daniel Ortega contra a Igreja Católica na Nicarágua, o que também não rendeu frutos. Sem poder de influência na manutenção da crise nesses países, a ausência de avanços concretos colocou em xeque a capacidade do Brasil de atuar de forma eficaz na manutenção da paz e estabilidade regional. E isso levantou questionamentos sobre o papel de liderança e cooperação do país na América Latina.

Posição nos Brics pode devolver ao Brasil status de líder regional, dizem analistas

Para analistas, o Brasil naturalmente possui uma posição de líder na América Latina devido à sua economia robusta, grande extensão territorial, população numerosa e influência diplomática na região. Essa influência política, contudo, vinha sendo colocada em xeque nos últimos meses após o país falhar em solucionar os problemas regionais citados.

Na avaliação do professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Feliú, tais impasses, sobretudo aqueles envolvendo a Venezuela, evidenciaram a perda de influência política regional por parte do Brasil. Sem capacidade de intermediar a resolução das crises de países vizinhos, o docente avalia que o governo brasileiro encontrou espaço nos Brics para demonstrar sua insatisfação com “parceiros indisciplinados”.

“O Brasil está tentando usar sua projeção global, nesse caso via Brics, para retaliar, digamos assim, um parceiro sul-americano indisciplinado. E, nesse caso, um parceiro que rompeu com os preceitos da democracia, que ainda é um valor do Mercosul que o Brasil e os pais da região defendem. Há uma identidade compartilhada pró-democracia na região e que sem dúvida o Brasil não foi capaz de enquadrar a Venezuela”, pontua o docente.

Outro fator levado em consideração pelos analistas consultados pela reportagem é que a postura do Brasil em vetar as duas ditaduras dos Brics pode indicar um aceno tímido e conveniente do país ao Ocidente. A gestão petista vinha se indispondo com as nações ocidentais nos últimos meses após as declarações ambíguas e controversas de Lula sobre as guerras em curso na Europa e no Oriente Médio.

Após o veto do Brasil à entrada da Venezuela nos Brics, a chancelaria da ditadura de Caracas intensificou as críticas ao governo brasileiro. Sem mirar o presidente Lula, o regime de Maduro fez ataques ao Itamaraty, a diplomatas da pasta e ao assessor e ex-chanceler Celso Amorim. Nesta quarta-feira (30), a Venezuela convocou seu embaixador e o encarregado de negócios no Brasil em um ato de reprimenda. A postura é um gesto diplomático para demonstrar insatisfação com o governo onde os representantes estavam alocados.

O Brasil não reagiu ao gesto e, conforme apurou a Gazeta do Povo com membros do Itamaraty, não pretende retribuir a convocação. Apesar da postura do Brasil passar a impressão de fraqueza, os analistas avaliam o gesto como uma contenção de risco. Os recentes discursos adotados pelo ditador venezuelano são interpretados como narrativas políticas e por isso não devem causar uma reação da diplomacia brasileira.

Após a fraude nas eleições que supostamente elegeram Maduro para um novo mandato, o professor da Universidade Federal Fluminense Vitélio Brustolin explica que Maduro ficou “sem saída”, restando a ele apenas discursos para buscar um mínimo de apoio regional.

“Ditaduras muitas vezes usam a retórica do “inimigo externo”. A Venezuela usa com frequência os Estados Unidos. Historicamente, o Brasil apoia o regime de Chaves e Maduro, e durante os governos do PT, Maduro e Chaves sempre foram bem acolhidos”, pontua Brustolin, que também é pesquisador de Harvard. De acordo com o docente, o que mudou nessa relação foi a “sinuca de bico” em que o regime chavista e o governo brasileiro se encontraram após as eleições.

Impasses regionais sem solução colocaram em xeque liderança brasileira

No último ano, o Brasil tentou, sem sucesso, intermediar impasses regionais importantes. Entre eles, facilitar uma transição democrática de governo na Venezuela. Além disso, o país também não conseguiu impedir que Maduro realizasse um referendo sobre a invasão e ocupação de Essequibo, nem foi capaz de conter a perseguição do ditador nicaraguense, Daniel Ortega, contra a Igreja Católica.

Especialistas apontam que o prejuízo causado ao Brasil se deu pela tentativa de Lula em apostar na aproximação com esses regimes para buscar uma solução a esses conflitos. A situação na Venezuela foi a que mais desgastou imagem do Brasil e do presidente petista. Desde que tomou posse para o terceiro mandato, ele defendeu a “normalidade” no país vizinho e “apostou” na ditadura de Nicolás Maduro.

Lula atuou para a reintegração de Caracas em organizações internacionais, defendeu sua entrada nos Brics e o retorno ao Mercosul. O apoio a Maduro, em nome da aproximação histórica que mantém com o regime chavista, evidenciou uma postura ambígua do petista e o indispôs com outros presidentes sul-americanos.

“O Brasil, embora não tenha reconhecido as eleições e tenha criticado [a situação da Venezuela], moderou muito discurso em relação a outros países sul-americanos, como Chile e o Uruguai. Esses países são dois bons exemplos porque um é de esquerda e o outro de direita, respectivamente”, avalia Pedro Feliú.

Apesar do discurso em defesa da democracia que o reelegeu em 2022, Lula fez vistas grossas para as ditaduras de Maduro e de Ortega. O brasileiro chegou a dizer que a Venezuela era “vítima de uma narrativa de autoritarismo e antidemocracia”. A defesa dos ditadores latino-americanos afastou Lula de um discurso moderado e do diálogo com lideranças de direita e, consequentemente, de ocupar o papel de liderança regional do Brasil.

Lula tentou defender Maduro e teve sua imagem prejudicada pela Venezuela

O Brasil tem atuado desde o início do ano passado para demonstrar apoio à Venezuela. Lula buscou viabilizar eleições presidenciais com a intenção de restaurar a democracia no país e foi um dos “fiadores” do Acordo de Barbados. No tratado, Maduro se comprometia a realizar eleições democráticas em troca do alívio aos embargos dos Estados Unidos. Mas o ditador venezuelano se mostrou indisposto a cumprir sua parte do acordo.

Após as votações, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela anunciou Nicolás Maduro como vitorioso, mas sem a devida comprovação. O resultado foi contestado pela oposição, que deu início a uma série de manifestações. Elas culminaram em prisões e morte de opositores. Em mais um esforço de ajudar a restaurar a normalidade venezuelana e não isolar Maduro, o Brasil se reuniu com Colômbia e México em busca de uma saída diplomática para a crise venezuelana, mas não obteve sucesso.

A fraude eleitoral na Venezuela foi confirmada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelo Centro Carter, organismos internacionais que analisam a legitimidade de processos eleitorais. Apesar disso, Maduro se consolidou no posto de presidente e ordenou a prisão de Edmundo González, candidato da oposição apontado como o verdadeiro vitorioso do pleito presidencial.

O regime chavista também rompeu relações diplomáticas com os países que contestaram a suposta reeleição do ditador, como foi o caso da Argentina e do Chile. O Brasil, após se propor a intermediar a situação no país, adotou o silêncio sobre as eleições venezuelanas. Sem reconhecer ou contestar, a diplomacia brasileira adotou o reconhecimento tácito de Maduro sob a justificativa de manter as relações com o país.

O silêncio do governo brasileiro foi observado como uma fraqueza do presidente Lula em adotar um tom mais duro com o autocrata venezuelano. Sem críticas ao ditador, o governo brasileiro utilizou-se dos Brics para demonstrar sua insatisfação e, apesar do apoio de China e Rússia para que Caracas integrasse o bloco, o desejo do Brasil acabou se impondo e isso criou um impasse com o regime de Nicolás Maduro.

“A Venezuela sabe que não respeitou a liderança brasileira e foi para a Rússia justamente para driblar essa liderança”, avalia Feliú, docente de relações internacionais da USP.

Lula tentou encontrar saída para Nicarágua e Ortega rompeu com o Brasil

Outro constrangimento para Lula foi a situação com o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega. O petista também possui uma relação histórica com o ditador, que está no poder de 1979. Em seu quinto mandato como “presidente”, após uma série de manobras eleitorais e processos inconstitucionais, o regime de Ortega é marcado pela opressão e perseguição a membros da Igreja Católica.

Padres e bispos passaram a denunciar a opressão da ditadura sandinista de Ortega e viraram alvo do ditador. A situação no país chamou atenção do Vaticano e o papa Francisco chegou a pedir para Lula intervir na soltura do bispo Rolando Álvarez, que foi preso sob acusação de “traição à pátria”. Mas Ortega nem sequer atendeu Lula.

Em meados deste ano Ortega decidiu romper com o Brasil. O diplomata Breno da Costa, responsável pela embaixada do Brasil na Nicarágua desde 2022, foi expulso do país após decisão do ditador. A razão, de acordo com informações de bastidores do Planalto e Itamaraty, teria sido a ausência do diplomata brasileiro no evento de aniversário da Revolução Sandinista – marco da história da esquerda na Nicarágua e que levou Daniel Ortega ao poder.

Em resposta à determinação do ditador nicaraguense, o governo brasileiro também decidiu pela retirada da embaixadora nicaraguense do Brasil. Após toda essa situação envolvendo os dois países, o governo brasileiro ainda decidiu não apoiar a entrada da Nicarágua nos Brics. Postura compreendida como mais um movimento do Brasil para demonstrar sua insatisfação com Ortega.



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