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Obsessão por questões raciais e étnicas invade escolas de elite no Brasil – @gazetadopovo



O multiculturalismo, as questões raciais e étnicas e o feminismo invadiram os colégios da elite brasileira. O fenômeno se manifesta nas listas de livros exigidos e em diversos tipos de atividades em quase todos os anos do ensino fundamental e médio das escolas mais caras do Brasil.

Praticamente todas as instituições com mensalidades mais altas em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro dão grande ênfase a livros didáticos ou literários com objetivo manifesto de conscientizar as crianças sobre questões raciais ou sobre as raízes africanas do Brasil. Em muitos casos, os livros têm alta carga ideológica.

Desde 2003, o ensino sobre história e cultura afro-brasileira tornou-se obrigatório em todas as escolas brasileiras, inclusive as particulares, pela lei nº 10.639, que exige o estudo sobre a história da África. A lei não estabelece, contudo, a quantidade de tempo ou de aulas que deva ser dedicada ao tema – mas, nesse ponto, as escolas de elite têm sido mais generosas do que o legislador parecia esperar no texto da norma.

Em um colégio privado jesuíta da Vila Mariana – bairro de São Paulo –, por exemplo, alunos do 4º ano usarão em 2024 o livro “O Brasil que veio da África”, da escritora Arlene Holanda, em história e geografia; os do 5º ano serão apresentados a conceitos como “branquitude” e “racismo estrutural” pelo livro “Óculos de cor: ver e não enxergar”, da antropóloga Lilia Schwarcz, vencedor do Prêmio Jabuti 2023; e os do 6º ano lerão “África e Brasil africano”, de Marina de Mello e Souza.

Em outro bairro paulistano, a Vila Madalena, uma escola criou um projeto “antirracista” chamado “Origens”, que tem como objetivo central, segundo a instituição, “romper com práticas escolares que colaboram com a sustentação do racismo estrutural no Brasil, por meio de uma educação que valorize e faça justiça à contribuição de negros, negras e indígenas para a cultura e a sociedade brasileiras”

A ideia, afirma o colégio, é formar seus funcionários na dita cultura antirracista, aumentar a “representatividade de profissionais negros, negras e indígenas na escola”, revisar currículos “a partir da visão antirracista” e criar bolsas para “ampliar a representatividade de estudantes negros, negras e indígenas”. Em 2022, em uma das unidades da instituição, 60% dos livros comprados para o acervo da biblioteca foram de autores negros ou indígenas. Nesse mesmo colégio, alunos do 8º ano leem o “Pequeno Manual Antirracista”, de Djamila Ribeiro.

Para Paulo Cruz, professor de filosofia e colunista da Gazeta do Povo, esse novo fenômeno é consequência de “um ethos contemporâneo que pensa que é preciso fazer uma correção histórica”. “A gente só falava de Europa, então agora tem que falar também de África e de sair fora do eixo Europa, Estados Unidos e tal. Acho que esse é o ponto”, diz.

Outro motivo, na visão dele, é o desejo de seguir o modismo. “Tem certa elite mais progressista, mais moderna, sobretudo de pais jovens, para quem esses temas são uma moda, uma tendência. Eles leem esse tipo de livro, conversam sobre isso na academia. É moda, e a pessoa não quer ficar de fora. É uma maldição de contágio, mesmo. ‘Eu não quero ser o do contra na minha turma. Todo mundo está falando desse negócio, então eu também vou falar, né?’ Esse tipo de discurso leva a pessoa a se sentir culpada e a querer falar sobre isso.”

Embora as discussões raciais sejam voltadas principalmente ao racismo contra negros e à celebração da cultura africana, a cultura indígena também é um tema relevante nos currículos. Em um colégio no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, alunos do 2º ano estudam o livro “Descobrindo o Xingu”; no 3º ano, leem o livro “Coisas de Índio”, do escritor indígena Daniel Munduruku, que foi candidato a deputado federal pelo PDT em 2022. A mesma escola oferece, no 4º ano, uma formação contra fake news, com o livro “Esquadrão curioso: caçadores de fake news”.

Além da questão racial, a diversidade de culturas e etnias e o feminismo são temas que atraem especialmente os responsáveis pela linha pedagógica dos colégios de elite. A ativista paquistanesa Malala Yousafzai é onipresente nas listas de livros, em que figuram diferentes biografias suas. Também marca presença em algumas listas uma figura bem mais radical: a artista mexicana Frida Kahlo (1907-1954), símbolo da luta feminista.

Em uma escola bilíngue com várias unidades no Rio de Janeiro, o feminismo se mistura com o aprendizado de idiomas: Frida aparece como protagonista de um material para estudar espanhol intitulado “Frida Kahlo: Viva la Vida”, que o 9º ano usa. Alunos do 8º ano aprendem inglês com o livro “Women Who Changed The World” (“Mulheres que mudaram o mundo”).

Enem e universidades acabam influenciando a tendência

Para Paulo Cruz, outro motivo pelo qual as escolas particulares entraram na tendência do identitarismo é que os professores são formados em cursos universitários em que esse tipo de discurso é onipresente.

“Geralmente, nas escolas particulares, sobretudo nas de elite, o processo de seleção procura os professores que são formados em faculdades supostamente de ponta. E as faculdades de ponta no Brasil, para docência, geralmente são as públicas, como a USP e outras universidades federais. As escolas procuram esses professores porque supostamente eles são os melhores, são formados nessas faculdades de ponta brasileiras. E há muito mais ideologização consciente nas faculdades públicas do que nas faculdades privadas. O professor sai da faculdade já militante, e vai parar nessas escolas de ponta”, comenta.

Além disso, recorda Cruz, “geralmente, quem produz material didático também é gente formada em universidade pública”. “Esse é o ponto principal do problema que chamamos de ideologização do ensino. Nem tudo é consciente, mas o próprio sistema já está meio viciado nisso”, afirma.

Para a educadora Anamaria Camargo, mestre em Educação e diretora-executiva do Instituto Livre pra Escolher, há uma razão além da questão ideológica para o foco nessas questões. “Isso não vai mudar enquanto a porta de entrada para as universidades públicas for exclusivamente o Enem. Se o Enem é ideologizado, as escolas privadas que querem que os seus estudantes sejam aprovados nas melhores universidades públicas vão ideologizar o material. É uma questão de incentivo do mercado. Não adianta escolher um material que não seja ideologizado e não preparar os estudantes para entrar na universidade”, diz.

Anamaria lembra, além disso, que o meio acadêmico tem favorecido uma visão única sobre a realidade, que acaba se refletindo tanto na produção literária que chegará às escolas quanto na formação de professores. “Há uma espécie de uma câmara de eco das produções identitárias. Os pesquisadores formam grupos em que citam-se uns aos outros. É como se fosse uma máfia: eles mesmos publicam artigos que são referenciados dentro do próprio grupo, e que aparecem em revistas conduzidas hoje por pessoas com o mesmo pensamento homogêneo. Aí eles recebem diversas citações e aquilo vira um consenso”, observa.

O resultado disso, segundo a educadora, é a crescente falta de confiança na educação formal. “Já estamos sentindo o efeito. A perda da confiança na ciência produzida nas universidades já é nítida”, diz.

Para ela, pais preocupados com a nova tendência não devem entrar sozinhos em conflito com a direção da escola: é preciso se juntar a outros pais. “O que pode ser feito é os pais formarem grupos. Um sozinho não vai conseguir. Vai ser acusado de racista, de homofóbico. Vão dizer que ele não quer que o filho dele aprenda sobre diversidade. É preciso, antes de se expor, formar um grupo de pais para pressionar a escola. Além disso, com as redes sociais, é preciso botar a boca no mundo, espalhar, mostrar. Não adianta dizer: tem que mostrar fotos, dados, para pressionar a gestão da escola”, afirma Anamaria.



Acesse esta notícia no site do Gazeta do Povo – Link Original

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