“Fundações de apoio são caixa dois de universidades federais”, diz docente – @gazetadopovo
Fundações de apoio responsáveis por executar a maior parte do orçamento destinado às universidades federais estão, em diversas regiões do país, aproveitando-se de brechas na legislação para aplicar a verba que recebem de forma irregular.
Professores e servidores de algumas das instituições vinculadas às fundações de apoio relataram à Gazeta do Povo irregularidades como a nomeação de um estudante do quarto semestre de psicologia para produzir notas técnicas, a compra de uma passagem de avião de Brasília a São Paulo por R$ 18 mil e diversas contratações de serviços mais caros quando havia opções mais baratas.
As principais legislações de transparência de órgãos públicos no país não se aplicam às fundações de apoio, o que facilita gastos exorbitantes e corrupção. “As fundações terminam funcionando como uma espécie de caixa dois. Onde há problemas como falta de um controle rígido, falta de transparência e contratações indevidas feitas por indicação e sem divulgação de editais”, afirma Denise Leal Albano, professora da Universidade Federal de Sergipe.
A ideia de criar instituições para desburocratizar o uso dos recursos que transitam na comunidade acadêmica é atraente. Mas quando se trata de orçamento público, normalmente, a facilidade para empregar o dinheiro é inversamente proporcional à transparência dada a esses gastos.
Oficialmente, cabe aos Ministérios Públicos estaduais analisar a prestação de contas apresentadas por essas instituições. Mas, segundo fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, essas prestações têm se tornado, em alguns casos, pura formalidade. Especificidades dos projetos e das atividades realizadas não constam nos documentos apresentados. Por consequência, não é possível identificar se o investimento é compatível com a estrutura utilizada e os resultados alcançados.
Pagamento de “renda extra” a servidores
As fundações de apoio, por serem instituições de pessoa de direito privada, ficam de fora de grande parte do guarda-chuva da legislação que controla os recursos públicos. Entre elas, a Lei 14.133 de 2021, que trata sobre licitações e contratos administrativos. Dessa forma, possuem grande facilidade em contratar amigos e conhecidos.
Reportagem recente da Gazeta do Povo mostrou que a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), que apoia a Universidade de Brasília (UnB), contratou os próprios servidores da UnB para a realização da Conferência Nacional de Educação. Os pagamentos a servidores foram de R$ 8 mil a R$ 29 mil.
“Hoje as fundações de pesquisam servem praticamente para pagar bolsas de pesquisa para servidores públicos que possuem limitação para recebimento de órgãos públicos”, afirma uma servidora que atua próximo à Finatec e prefere não se identificar.
Em relação aos pagamentos por bolsas de pesquisa, os servidores podem receber até o valor do teto constitucional, que atualmente é de R$ 44.008,52, e o valor recebido sequer é tributado. “Mas ainda assim, a Universidade de Brasília não faz nenhum tipo de controle sobre isso”, completa a servidora, que diz já ter identificado dois professores recebendo acima do teto.
Por nota (na íntegra ao final do texto), a Finatec informou que “a responsabilidade de controle do limite do teto remuneratório é do próprio bolsista e da instituição a que ele está vinculado (fonte principal), inclusive por conta de outros ganhos eventuais, dos quais a fundação de apoio não tem conhecimento”.
“Na contratação de um projeto da Covid-19, uma aluna de graduação de 4º período de psicologia foi contratada para elaborar nota técnica sobre a pandemia”, relatou a professora Albano. Segundo ela, a Controladoria-Geral da União já identificou que houve prejuízo de cerca de R$ 700 mil em um dos projetos pagos pela Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de Sergipe (Fapese), que se tratava de compra de testes para a Covid-19.
Gastos desnecessários em contratos e viagens
“A UnB tem o contrato de licitação de coffee break e de transporte de alunos. Mas algumas vezes prefere fazer a contratação desse serviço via Finatec pagando mais caro, em vez de usarem a licitação”, afirma a servidora. Segundo ela, quando a licitação está pronta, o processo de compra via Finatec ou licitação possui o mesmo nível de burocracia e tempo. Ao comprar pela Finatec, a Universidade de Brasília também opta por pagar uma taxa de 8% do valor total das compras pelos serviços prestados pela fundação de apoio.
Ainda segundo ela, mesmo com parecer contrário emitido pela Procuradoria-Federal da UnB, a Finatec executa “projetos de desenvolvimento institucional” que servem para o pagamento de compras recorrentes da universidade como café, água e papel higiênico. Esses e outros itens poderiam ser comprados por licitação pela própria Universidade de Brasília, já que possuem volume e alta demanda.
Um dos extratos encontrados no site da Finatec aponta o gasto de R$ 18.092,18 em passagens áreas para uma viagem Brasília-São Paulo. Esse valor foi pago com recursos da secretaria especial da Presidência da República. “Isso é fruto de uma falta de gestão e planejamento dos servidores em geral”, relata a servidora.
“O extrato constante do Portal da Transparência aglutinou todos os pedidos dos quatro projetos referidos, dando a impressão equivocada de que se referiu à aquisição de passagem relativamente a um único trecho”, respondeu a Finatec.
Sites de transparência desatualizados
Apesar de a necessidade de transparência estar explícita na lei que dispõe sobre as relações entre universidades e fundações de apoio, na prática há pouca informação disponível publicamente. “A regra não é a transparência. As páginas são difíceis de navegar. Além de um caixa dois das universidades, é uma grande caixa preta”, ressalta Albano.
A Fundação de Apoio à Pesquisa (Funape) da Universidade Federal de Goiás é um exemplo de falta de transparência. A maioria dos projetos listados em seu site possui cláusula de sigilo. Já os projetos que podem ser acessados pelo público disponibilizam apenas o planejamento e omitem informações relacionadas à execução.
“Não tem todas as compras nos sites de transparência. No site da Finatec, depois que foram solicitadas informações pela Lei de Acesso à Informação, eles retiraram as compras. Há também alguns dados com erros de valores, o que induz o cidadão ao erro”, afirma servidora que atua próximo à Finatec.
Para a Finatec, o site “apresenta todas as informações exigidas pela legislação aplicável, permitindo a obtenção das informações necessárias sobre os projetos em andamento. As informações ficam disponibilizadas pelo prazo previsto na legislação”.
As fundações de apoio estão sujeitas tanto ao Tribunal de Contas da União quanto à Controladoria Geral da União, além da prestação de contas que deve ser apresentada ao Ministério Público. Procurada pela Gazeta do Povo, a Fapese não se manifestou.
Nota de esclarecimento da Finatec
Em atenção à solicitação de informações, a Finatec – Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos esclarece o seguinte:
01. O pagamento do valor das bolsas em projetos ocorre no montante aprovado no respectivo plano de trabalho, aprovado pela instituição apoiada, a qual, pela interveniência no processo administrativo, detém todas as informações sobre todos os aspectos do projeto, antes mesmo do início da sua execução, inclusive quanto a despesas financeiras envolvidas. A responsabilidade de controle do limite do teto remuneratório é do próprio bolsista e da instituição a que ele está vinculado (fonte principal), inclusive por conta de outros ganhos eventuais, dos quais a fundação de apoio não tem conhecimento.
02. A despesa relativa a passagens áreas, citada no questionamento, no valor de R$ 18 mil reais referiu-se à aquisição de trechos de viagens nos projetos 43063/2023, 43208/2023, 43209/2023 e 43210/2023, para pessoas diferentes e em datas diferentes, conforme o detalhamento a seguir:
- Projeto 43063/2023: Passagem VCP BSB VCP – ida e volta – dia 06/10/2023. Finalidade: Participação da Oficina de funcionalidades e requisitos da Plataforma Brasil Participativo para os módulos Conferências e Brasil sem fome.
- Projeto 43208/2023: Passagem Parnaíba BSB Parnaíba – ida: 08/10; volta: 05/10. Finalidade: Reunião de planejamento e definição para os produtos estratégicos da parceria UnB com a SGPR.
- Projeto 43209/2023. Passagem FOR BSB FOR ida: 10/10 – volta: 11/10. Finalidade: reunião de planejamento e definição para os produtos estratégicos da parceria da UnB com a SGPR.
- Projeto 43210/2023. Passagem VPC BSB VPC – ida: 10/10, volta: 15/10. Finalidade: reunião de planejamento e definição para produtos estratégicos da parceria UnB com a SGPR
03. O extrato constante do Portal da Transparência aglutinou todos os pedidos dos quatro projetos referidos, dando a impressão equivocada de que se referiu à aquisição de passagem relativamente a um único trecho.
04. O site da Finatec apresenta todas as informações exigidas pela legislação aplicável, permitindo a obtenção das informações necessárias sobre os projetos em andamento. As informações ficam disponibilizadas pelo prazo previsto na legislação. Para um adequado esclarecimento sobre a última pergunta (Por qual motivo alguns documentos deixam de estar disponíveis depois de um tempo?), seria necessário obter dados e informações mais precisas. É importante esclarecer que o Portal da Transparência mantém critérios específicos de navegabilidade, com funções específicas de busca para projetos em andamento e projetos encerrados, devendo os usuários estarem atentos aos requisitos de usabilidade do sistema. Essa temporalidade de informações, de acordo com o status do projeto, atende as disposições legais e o próprio prazo de vigência de cada projeto específico.
Acesse esta notícia no site do Gazeta do Povo – Link Original