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Concurso unificado do MEC não resolve escolha de professores – @gazetadopovo


A maioria dos concursos de professores no Brasil não cobra uma habilidade essencial: se os candidatos sabem a prática do ensino em sala de aula. Essa é uma das conclusões de um levantamento realizado pela ONG Todos pela Educação, e publicado em novembro de 2024, após analisar como estados e municípios escolhem professores para atuar do 5° ao 9° ano. Para resolver esse e outros problemas, o governo federal anunciou a adoção de um concurso unificado de professores, que poderá ser adotado por estados e municípios. Apesar da iniciativa, especialistas em educação ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que os problemas da formação docente no Brasil são estruturais e vão muito além da centralização das seleções.

O concurso unificado foi lançado nesta terça-feira (14), pelo ministro da Educação, Camilo Santana. A ideia é usar a prova do Enade, realizada com os estudantes ao final da graduação, como uma das etapas dos concursos – o exame passaria a ser anual. Estados e municípios que aderirem à iniciativa poderão até usar a nota do Enade como única fase de seleção.

“Será de extrema ingenuidade acreditar que o concurso unificado para professores [com o uso do Enade] irá resolver o problema da capacitação pedagógica dos professores das redes públicas de ensino”, afirma Pedro Caldeira, professor de Educação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Ele explica que as falhas nos processos seletivos são apenas um elo de uma longa cadeia de problemas mais amplos enfrentados no Brasil. 

Concursos municipais têm mais perguntas sobre diversidade e inclusão do que sobre conhecimento pedagógico aplicado

O estudo do Todos pela Educação, organização que promove políticas públicas educacionais, revelou que apenas 3,3% das questões das provas realizadas para professores em redes estaduais testaram o conhecimento pedagógico do conteúdo. Esse tipo de questão busca medir o domínio do conteúdo e a habilidade de ensiná-lo.

Ou seja, não adianta apenas o professor ter conhecimento sobre orações subordinadas ou neologismo, ao ensinar Língua Portuguesa, por exemplo. É necessário que ele seja capaz de ensinar os alunos sobre o assunto.

Nas redes municipais, o cenário foi semelhante, com apenas 2,9% das questões voltadas para essa avaliação. O mais alarmante é que a porcentagem de questões relacionadas a diversidade e inclusão foi ligeiramente superior, chegando a 3,2%. Essas perguntas abordam temas como raça, gênero e orientação sexual, diversidade cultural e promoção de inclusão de estudantes com alguma deficiência ou transtorno. Na rede estadual, o índice de questões sobre diversidade e inclusão foi de 2%.

A questão é usada como um exemplo da categoria “Diversidade e Inclusão” do estudo “Qualidade dos concursos públicos para seleção de docentes da Educação Básica no Brasil”, realizado pelo Todos pela Educação. (Foto: Reprodução / Todos pela Educação)

A pesquisa analisou editais e provas de 23 redes estaduais e 19 redes municipais (capitais), totalizando 82 provas para as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. O objetivo foi obter uma visão representativa dos concursos públicos em nível nacional.

João Batista Oliveira, Ph.D. em Educação pela Florida State University, acredita que as questões citadas no estudo não contribuem para melhorar a qualidade de ensino por não avaliar a prática do professor em sala de aula. “São perguntas que refletem o entendimento predominante nas faculdades de educação do país a respeito do tema. Avaliação de conhecimento pedagógico melhor se faz com o uso de situações práticas associadas à justificativa empírica para a intervenção. Mas este é um conhecimento raro em nosso país”, afirma.

Entre as recomendações do Todos pela Educação para aprimorar os concursos, está a inclusão de uma etapa com prova prática. Essa medida permitiria uma avaliação mais aprofundada do conhecimento pedagógico do conteúdo, além de medir competências gerais dos docentes.

Problema da qualidade de professores começa na formação

Caldeira destaca que a raiz da má qualidade dos professores no Brasil está na formação oferecida aos estudantes nas universidades. “A formação pedagógica dos professores é extremamente deficiente nos cursos de licenciatura. As horas dedicadas a ensinar a ensinar são em geral escassas, quando não quase inexistentes”, ressalta.

Ele aponta como é diferente a situação do Brasil em relação ao modelo europeu, onde os estudantes de licenciatura se dedicam três anos à formação científica e outros dois exclusivamente à formação pedagógica. “Talvez assim conseguíssemos ter professores mais capacitados pedagogicamente nas redes estaduais e municipais. A simples aplicação de uma prova de conhecimentos pedagógicos não é suficiente para garantir melhores professores nas salas de aula”, explica.

A pesquisa apontou que a maior parte das questões em concursos para professores está voltada para o conhecimento de conteúdo específico, que representa cerca de 70% nas redes municipais e 66% nas estaduais. Em segundo lugar, aparecem as perguntas relacionadas ao conhecimento pedagógico isolado. Essas perguntas abordam como os alunos aprendem e como se dá o processo de desenvolvimento e aprendizado, sem conexão direta com os conteúdos das disciplinas. Esse tipo de questão representa 17,6% do conteúdo das provas de concurso municipais e 16,3% nas estaduais.

Concurso unificado do MEC é ameaçado por problemas estruturais da educação

Para Caldeira, o gigantismo das redes de ensino, a falta de prática e a desconsideração do conjunto dos sistemas educacionais são fatores que tornam improvável o sucesso em atrair melhores profissionais por meio concurso unificado proposto pelo MEC.

“Infelizmente, as propostas do governo vão em sentido contrário: não vão resolver os problemas relacionados à formação inicial dos professores, continuaremos com uma BNCC [Base Nacional Comum Curricular] que é um lixo e prosseguiremos com livros didáticos de baixa qualidade”, critica o professor.

Além do concurso unificado, o ministro da Educação Camilo Santana anunciou o programa “Pé-de-Meia” para universitários, uma mesada de R$ 1.050,00 (R$ 750 com saque a qualquer momento e R$ 300 para uma poupança criada para esse fim) para alunos que ingressarem em cursos de pedagogia e licenciatura, para tentar atrair estudantes de alto desempenho para serem professores. Pesquisas mostram que os estudantes com as piores notas no Enem tendem a escolher os cursos de pedagogia e licenciatura.



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