Alunos no Brasil regridem do 6º ao 9º do ensino fundamental – @gazetadopovo
Uma análise baseada nos dados das provas de português e matemática do Saeb confirma um cenário alarmante: o desempenho dos alunos regride entre o 6º e o 9º ano do ensino fundamental, em escolas públicas. Em 2021, enquanto 51% dos alunos do 5º do ensino fundamental apresentaram aprendizagem adequada em português, apenas 35% dos seus colegas no 9º ano saíram com conhecimento suficiente para entrar no ensino médio. Na matemática, o cenário foi ainda pior. Apenas 37% dos alunos do 5º ano possuíam aprendizagem adequada, porcentagem que caiu para 15% no 9º ano. E os dados são similares aos cenários de 2019 e 2017, mesmo antes da pandemia.
A queda de desempenho ao passar do 5º para o 6º ano, com uma curva descendente até o 9º ano, desmotiva os alunos e acaba se transformando em uma das principais causas para a evasão escolar e o alto índice de reprovação no ensino médio. O censo escolar de 2022 apontou que o primeiro ano do ensino médio é a série que possui a maior taxa de evasão escolar (8,2%), de reprovação (12,7%) e de migração para o ensino de jovens adultos (2,7%).
O panorama é assustador. Utilizando levantamento do QEdu, com critérios disponibilizados pelo Inep (órgão do Ministério da Educação) em 2017 – e, ainda assim, muito abaixo em qualidade dos usados em outros países -, só 15% dos alunos do 9º ano tinham conhecimento aceitável em matemática em 2021 para continuar os estudos, poucos deles apresentando aprendizado além do esperado. Ou seja, 85% dos alunos do 9º ano de 2021 estavam no nível básico (54%) ou insuficiente (31%) na matemática. Se no básico os estudantes precisam de atividades de reforço, os do insuficiente necessitam ser expostos novamente aos conteúdos ensinados.
Em português, os 65% dos alunos do 9º ano abaixo do nível adequado em 2021 não conseguiam realizar uma série de operações simples de interpretação e redação de textos, como localizar informações explícitas em artigos de opinião ou identificar finalidade de contos e fábulas. Em matemática, 85% dos estudantes que terminaram o 9º não eram capazes de converter unidades de medidas de comprimento de metros para centímetros ou reconhecer que os ângulos não se alteram em figuras obtidas por ampliação ou redução.
As escolas particulares, em nível menor, também registram essa queda de desempenho ao final do 9º ano. Em 2019, enquanto 74% dos alunos do 5º ano apresentavam aprendizado adequado em matemática, só 56% dos seus colegas do 9º ano atingiram o mesmo nível. Em português, esses números corresponderam a 82% e 70%, respectivamente. Em 2021, os resultados foram piores: enquanto 81% dos alunos apresentaram conhecimento adequado em português, apenas 67% dos seus colegas no 9º atingiram o mesmo resultado. Em matemática, a discrepância foi ainda maior, 70% e 47%, respectivamente.
A prova do Saeb de 2021 foi realizada após a pandemia, período em que as escolas públicas permaneceram fechadas ou com ensino a distância. Essas circunstâncias influenciaram os resultados, mais baixos que os dos anos anteriores. Apesar disso, as edições passadas possuem um contexto semelhante. Como mostra o gráfico abaixo, em 2017 e 2019, os índices de aprendizagem dos alunos também são muito diferentes dos alunos do 5º e 9º ano.
O QEdu é um projeto da Meritt, empresa que oferece serviços de plataformas educacionais, e da Fundação Lemann. Os critérios estabelecidos pela plataforma foram criados pelo professor José Francisco Soares, e adotados pelo Inep na época em que ele presidiu o instituto. Por questões políticas, depois do período o órgão voltou a apresentar apenas os dados sem atribuições de qualidade de desempenho.
“Fundamental 2 é um buraco negro que ninguém está cuidando muito bem”
“A conclusão dos dados é que o ensino fundamental 2 é um buraco negro que ninguém está cuidando muito bem”, pontua João Batista Oliveira, PhD em educação pela Florida State University. O especialista acredita que o baixo desempenho no ensino médio e a evasão escolar são frutos dos problemas do 6º ao 9º ano. Porém, com esforço, os gestores escolares têm potencial para melhorar os resultados.
O doutor em educação pela USP Ocimar Alavarse é cirúrgico ao afirmar que, apesar de todas as etapas da educação básica demandarem melhorias, o ensino fundamental 2 é a fase que necessita de atenção prioritária, tanto pela sua situação atual quanto pelo fato de ser estratégica para a trajetória acadêmica do aluno. Para ele, apesar de ser possível verificar um crescimento nas notas dos alunos de escolas públicas no 9º ano nos últimos anos, esse avanço é lento e longe de ser o ideal.
Alavarse explica que um dos principais motivos pelos quais os alunos têm dificuldades para aprender nos anos finais no ensino fundamental é o conjunto de deficiências acumuladas na capacidade de ler e interpretar textos. Obstáculos para entender as outras disciplinas – química, física, matemática, etc. – muitas vezes são reflexo de problemas na habilidade de leitura.
Ao mesmo tempo, um complicador é o fato de os professores nem sempre aprenderem na faculdade a lidar com essa lacuna dos alunos. Muitas vezes, os professores percebem que os alunos não conseguem entender os textos apresentados, mas a situação não é solucionada. “Os alunos acabam sendo expostos a textos, então eles têm que desenvolver essa capacidade, se há deficiências”, diz. Para o professor, se fossem realizadas atividades específicas para melhorar a capacidade de leitura, os resultados seriam melhores.
O especialista acredita que um primeiro caminho para melhorar o ensino nos anos finais seria apostar na formação dos professores de todas as disciplinas do fundamental 2 para que sejam capazes de ir ao encontro dessas deficiências, com estratégias eficazes. “É outro desvio achar que o problema de leitura dos anos finais resolve-se com o professor de língua portuguesa. É uma tarefa para todos os professores dessa etapa”, reitera.
Baixo desempenho tem relação com evasão escolar
João Batista Oliveira explica que, no ensino fundamental 2, a escola é capaz de recuperar o desempenho perdido nos primeiros anos. “As melhoras havidas nas séries finais, que são poucas, não têm correlação com o nível que os alunos chegam ao 6º ano. O que significa isto? Que não é caso perdido. Ou seja, independentemente de como os alunos chegam, há lugares que conseguem melhorar o nível [de aprendizado]”, explica.
A responsabilidade pelo ensino fundamental 2 é compartilhada por estados e municípios e, para João Batista, nenhuma das esferas tem procurado soluções para a etapa. Ou seja, se há uma comprovada capacidade da gestão educacional para melhorar os resultados de aprendizagem, por outro lado há uma negligência neste cuidado. O especialista reforça que, como consequência, os alunos terão uma tendência maior à evasão escolar ou chegarão mais despreparados para o ensino médio.
Alavarse segue na mesma linha. “Quando os alunos terminam os anos finais e vão para o ensino médio, se estabelece, então, um verdadeiro desastre. Porque estão em uma capacidade muito abaixo daquilo que é necessário para aprofundar alguns estudos no ensino médio”, comenta.
Dados divulgados pelo MEC em 2019 apontam que 15% dos jovens entre 15 e 17 anos não se matriculam na escola no início do ano letivo. Ao final, cerca de 30% já deixaram de frequentar o ambiente educacional. Depois do primeiro ano do ensino médio, as séries que mais possuem evasão escolar são o 2º ano do ensino médio e o 9º ano do ensino fundamental.
Enquanto isso, alterações em relação ao novo ensino médio estão a ponto de serem discutidas no Congresso Nacional. Após pressão de sindicatos, o governo Lula apresentou um novo projeto de lei que altera a legislação atual, que tentava ser mais atraente para os jovens, mesmo para aqueles que chegam a esta etapa da educação básica menos preparados que seus colegas de outros países. Caso a proposta do governo Lula não seja modificada e o ensino médio continue desinteressante para os jovens, a evasão escolar tende a aumentar, alertam os especialistas.
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