Pecuária alimenta 350 mil pessoas emitindo menos que um avião – @gazetadopovo
Um estudo em fazendas de baixo carbono do Centro-Oeste brasileiro põe em xeque o conceito amplamente disseminado de que a criação de gado, com seus arrotos e puns, é um mal de difícil remédio nas emissões de gases poluentes e afeta o meio ambiente.
Diferentemente de outras atividades que apenas emitem gases de efeito estufa, a pecuária e a agricultura trabalham com o conceito de balanço de carbono. Porque também removem CO2 em seus processos.
Nas últimas duas safras, quatro fazendas do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul viraram laboratórios para medição da pegada de carbono. O cálculo se deu em função da quantidade de animais alojados, idade de abate, tipo de alimentação, manejo e adubação das pastagens. As fazendas foram a Santa Maria (Rondonópolis-MT), Santa Terezinha (Campo Novo do Parecis-MT), São Valentim (Pontes e Lacerda-MT) e Palmares (São Gabriel D’Oeste-MS).
Na prática, quanto mais eficiente for uma fazenda na produção de carne, uma meta econômica, mais carbono é capturado do sistema, um benefício ambiental. Um pasto bem manejado, por exemplo, resulta em raízes mais profundas que fixam carbono no solo. Um animal terminado de forma precoce, além de oferecer carne mais macia e de maior valor agregado, também diminui as emissões no ciclo de vida.
Intensificação da pecuária diminui a pegada de carbono
Na pecuária, os principais gases emitidos são o Metano (CH4), gerado a partir da fermentação entérica; o Óxido Nitroso (N2O), proveniente do nitrogênio excretado na urina e fezes dos bovinos ou dos fertilizantes nitrogenados aplicados nas pastagens; e o Dióxido de Carbono (CO2), originado principalmente da queima de combustíveis fósseis na operação da fazenda.
Globalmente, o Brasil representa 2,3% do total de gases de efeito estufa emitidos (WRI 2021), e, destes, 28,5% estão relacionados ao setor agropecuário (MCTI, 2022).
No estudo batizado de Projeto de Serviços Ecossistêmicos, os resultados das fazendas de alta performance foram comparados à pegada de carbono de aviões comerciais a jato. Os parâmetros utilizados tiveram como base a tese de doutorado de Fernando Ongaratto, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ele avaliou a sustentabilidade da intensificação da criação de gado e apontou fatores de emissão menores que os reportados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Emissões de gases do efeito estufa da carne e da aviação
Tanto para o avião como para as fazendas, foram considerados 252 dias úteis no calendário anual. O balanço mostrou que a pegada de carbono das quatro fazendas, em média, foi de 11,82 kg CO2 equivalente para cada quilo de carcaça produzida (contra uma média nacional de 30 kg). Para atingirem a mesma pegada deixada por um único avião, seriam necessários 4,3 anos de produção. Por outro ângulo, nesses quatro anos, com as mesmas emissões de um avião, as quatro fazendas põem carne à mesa de 380 mil brasileiros.
“Isso virou matemática. Eu tenho a emissão, menos o que o sistema traz de volta. Não queremos apontar culpados, o que queremos é verbalizar ações e soluções. As próprias montadoras de avião estão trabalhando fortemente na matriz energética para também mudar essa história”, diz Luciano Resende, médico-veterinário diretor da Nutripura. A empresa de Rondonópolis (MT) é especializada em nutrição e manejo de bovinos de corte.
Atualmente, o projeto da empresa já faz a medição sistemática da pegada de carbono de 15 fazendas do Mato Grosso, e a meta é chegar a pelo menos 50 nos próximos dois anos.
Drones e mapas monitoram altura ideal do capim para manejo
Numa fazenda de alto desempenho em gado de corte, boiadeiros e outros funcionários operacionais precisam estar sempre se reciclando com as novas tecnologias. As porções de ração e suplementos são pesadas em termos de quilos e gramas, são anotadas em uma planilha e precisam ser administradas ao gado em horários rigorosamente pré-fixados.
Até a altura do capim no pasto é acompanhada por fotografias de drones e aplicativos que apontam a hora exata de introduzir ou retirar o gado, visando maximizar o aproveitamento. Tudo vira cálculo para mensurar a pegada de carbono.
Um desses aplicativos, o Konect Pasto, monitora uma área de pastagem de 12.800 hectares em 56 fazendas do Mato Grosso, com 64 mil animais. O ganho de peso médio, por dia, na safra 2023-24, foi de 847 gramas, 160 gramas a mais do que as melhores fazendas acompanhadas pelo Instituto de Métricas Agropecuárias (Inttegra).
Nos pastos monitorados por drone, a taxa de ocupação é de 6 animais por hectare, contra uma média nacional de apenas um animal por hectare. A produção à pasto chegou a 25,1 arrobas por hectare, cinco vezes mais do que a média brasileira.
Integração lavoura-pecuária, a revolução
Quando o confinamento entra na equação, nas fases de recria, engorda e terminação, a produtividade dispara e pode chegar a 70 arrobas por hectare ou mais.
Nos últimos anos, a pecuária brasileira vem descobrindo que o melhor sistema produtivo, tanto do ponto de vista econômico como ambiental, não é isoladamente o do boi à pasto e nem o de confinamento, mas os dois combinados.
“O fato de a gente incorporar a integração lavoura-pecuária é a grande revolução aqui do Mato Grosso. O pecuarista que é herdeiro, ou ele muda a cabeça e entra na integração lavoura-pecuária, ou então ele vai ter que arrendar a fazenda para outro fazer a mesma coisa. O pasto hoje é uma agricultura. Ou tecnifica, ou cai fora do negócio”, assegura um dos pioneiros da pecuária mato-grossense, Shiro Nishimura, acionista e membro do Conselho de Administração do Grupo Jacto, maior fabricante nacional de maquinários agrícolas.
Na tabelinha entre a agricultura e o cultivo de pastos, a intensificação da pecuária criou uma relação ganha-ganha, em que a produtividade se expande mesmo com o uso de áreas menores. Estima-se que no país existam até 40 milhões de hectares de pastagens degradadas. Onde hoje não se produz quase nada, há potencial para extração de grandes volumes de grãos e de carne.
Margem para salto exponencial na pecuária
“A margem para crescer na pecuária é muito maior do que na soja. Um produtor que tem uma ou duas cabeças por hectare, a gente pode ir para dez, a tecnologia para isso já temos. Na soja, não dá para sair de 70 sacas para 700 sacas. No boi dá”, assegura o agrônomo Roberto Aguiar, CEO da Nutripura.
Durante muito tempo, o setor pecuário não esteve preparado para o debate em torno da emissão de gases de efeito estufa. Em relação ao metano, por exemplo, que tem efeito mais agudo no aquecimento global, mas se dissipa em 12 anos, as boas práticas da pecuária sempre mitigaram sua produção, segundo o professor de Ciências Fisiológicas Reginaldo Nassar, da Universidade Federal de Goiás (UFGO).
“Quando você pega o carbono do processo digestivo e produz os ácidos e gases que levam à engorda e à produção de leite, você está evitando diretamente que esse elemento carbono vá formar o gás metano. Então, nós estávamos mitigando metano desde o início da produtividade pecuária. O que faltava era medir a diminuição do metano. Mas a partir desse momento a gente certifica os produtos como redutores de metano e agora, sim, podemos quantificar e falar que estamos no caminho certo de sustentabilidade e produtividade”, assegura Nassar.
*O jornalista viajou ao Mato Grosso a convite dos organizadores do 11º Simpósio Nutripura.
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