Feijão e arroz põem Lula à prova e vão ficar mais caros em 2024 – @gazetadopovo
A dobradinha feijão e arroz deve manter a alta de preços em 2024, após temporadas de cultivo difícil – ora por excesso de chuva, ora por seca prolongada nas principais regiões produtoras do país – e também devido à elevação das cotações internacionais.
A pressão altista vai pôr à prova o discurso do presidente Lula de que interviria no mercado, quando necessário, para formar estoques reguladores e controlar o preço dos alimentos – uma fórmula que nunca deu certo, como já mostrou reportagem desta Gazeta do Povo.
Em outubro de 2022, Lula declarou: “A Conab (Companhia Nacional de
Abastecimento) era uma coisa muito importante no meu governo porque através da
Conab a gente fazia uma espécie de estoque regulador. Quando o feijão estava
subindo demais a gente então colocava o feijão no mercado para baratear. A
gente vai fazer isso.”
Pois o feijão preto bateu nas últimas semanas preço recorde, na faixa de R$ 400 a saca para o produto extra, importado da Argentina e de mais qualidade. Para o feijão nacional, de qualidade inferior devido ao excesso de umidade, a saca ficou em torno de R$ 350 a R$ 370. E no arroz, as cotações internacionais são as mais elevadas dos últimos 15 anos, fazendo o preço da saca chegar próximo de R$ 140 no Rio Grande do Sul, maior produtor do país. No Mato Grosso, as cotações oscilam entre R$ 160 e R$ 170 a saca, um valor histórico, acima da soja.
Índia bloqueou exportações de arroz
“Nem no
cenário mais otimista a gente iria imaginar que a Índia, maior exportador
global de arroz, e a Tailândia, fossem ter problemas. A Índia proibiu as
exportações, na tentativa de controle inflacionário. As cotações dispararam
para os maiores níveis em 15 anos, em pleno ingresso da safra asiática, que
deveria ser período de queda de preços”, observa Evandro Oliveira, consultor da
agência Safras e Mercado.
“O varejo
está fazendo malabarismo para não passar integralmente esse aumento de custo.
Às vezes, o varejista prefere perder no arroz, e usar o produto como chamariz,
para ganhar em outros itens. Quem mais sofre nessa situação são as indústrias,
que estão com margens comprometidas e capacidade ociosa. Elas não conseguem
repassar reajuste e também não conseguem recompor estoques”, aponta o analista.
Tanto o arroz quanto o feijão sofreram neste ano por causa de extremos climáticos. No Paraná, maior produtor de feijão do país, a quebra na safra chegou a 18%, devido ao excesso de chuvas. Em Minas Gerais, outro polo produtor de destaque, o problema foi a seca prolongada.
No caso do arroz, o Rio Grande do Sul, que concentra 70% do cultivo nacional, enfrentou forte estiagem na região oeste do estado. Uruguaiana, município que mais produz arroz no país, teve uma das piores secas em 40 anos. O Paraguai, que abastece parte do mercado brasileiro, viu boa parte das plantações sofrerem com enchentes.
Demanda aquecida em 2024, mesmo com reação da área plantada
“Nossos estoques de arroz vão ficar baixos. Produzimos 10 milhões de toneladas, mas consumimos 11 milhões. Não vai sobrar muito arroz de passagem. Vamos entrar num ano que pode plantar um pouco mais, colher um pouco mais, mesmo assim não atenderá a demanda”, avisa o consultor de commodities agrícolas Vlamir Brandalizze.
“O preço do arroz vai seguir firme em 2024, com alívio apenas no momento da colheita, no final de fevereiro, em março e abril. Passado esse período, começa a subir a cotação. Pela primeira vez na história o arroz vale mais do que a soja”, observa o consultor.
O diagnóstico da Federação das Associações dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Fedearroz) é de que os preços do arroz reagiram devido à diminuição da área plantada, após anos seguidos de prejuízos dos rizicultores. Nos últimos 15 anos, o Rio Grande do Sul, que responde por 70% do arroz produzido no Brasil, saiu de uma área plantada de 1,2 milhão de hectares para 840 mil, na última safra.
Pressionados pelos custos, os produtores foram substituindo o arroz por soja e pecuária. E a exportação de arroz surgiu como opção para equilibrar os preços do mercado interno. O que teria mudado o jogo, agora, foi a restrição das exportações pelos grandes países produtores da Ásia, como a Índia, que respondia por 40% das exportações globais.
Arroz mudou patamar de preço, em nível mundial
“O arroz tem um novo patamar em nível mundial, mas continua um produto acessível. Hoje o preço médio está entre R$ 5 e R$ 6, já considerando toda a alta deste ano. Até então ficava entre R$ 4 e R$ 5. Mesmo assim, dentro da cesta básica, não representa mais do que 5%”, avalia Alexandre Velho, presidente da Fedearroz.
Ele aponta que os valores atuais representam momento de entressafra, com pouca oferta de produto. Diante de perspectivas melhores, no Rio Grande do Sul já se estima um aumento de 7% na área plantada, totalizando 900 mil hectares, contra 840 mil hectares da última safra.
Tanto no cenário do arroz como do feijão, há pouca coisa que o governo possa fazer. E isso não passa pela intervenção no mercado para formar estoque regulador. “É o mercado se ajeitando. Não tem nada a ver com o governo. O arroz é o mercado internacional que se reflete aqui dentro. E no feijão, houve desestímulo dos produtores, que não tiveram lucro em outras safras”, pondera Brandalizze.
Alexandre Velho, da Fedearroz, observa que as cotações atuais simplesmente impedem qualquer compra pública como medida regulatória de estoques. “Não tem como fazer, porque o preço mínimo do arroz [do governo] é R$ 65, e no mercado está o dobro disso. O governo não tem como comprar e ninguém vai vender por R$ 65, porque seria um prejuízo monstruoso. A compra pública está totalmente descartada”, assegura
Para Velho, dentro de 45 dias, quando começar a colheita da nova safra, deverá haver um ajuste de preços, favorecendo o consumidor. O patamar, contudo, já não será mais o de anos anteriores, por causa da valorização do produto globalmente.
Apoio à produção, sem quebrar as regras do mercado
Nesse contexto, é provável que o presidente Lula “se esqueça” da promessa de intervir no mercado fazendo estoques reguladores ou retendo exportações, numa tentativa de controlar preços. Além de inviáveis economicamente, medidas assim podem até trazer algum alívio imediato, mas costumam gerar consequências altamente prejudiciais, em médio-longo prazo. O exemplo mais emblemático disso é o caos criado pelas políticas intervencionistas da Argentina nos últimos anos.
“Essa
lógica não funciona. A Argentina segurou a exportação de carne e quebrou os
pecuaristas. Quando o governo pensa em suspender ou taxar a exportação, ele
tira o ânimo do produtor e na safra seguinte vai faltar produto”, avalia
Brandalizze. Isso não quer dizer, contudo, que o governo não possa contribuir.
“A lógica é deixar o mercado livre e criar mecanismos para o produtor conseguir avançar. Tem obstáculos aonde? Pega o pessoal do Rio Grande do Sul, por exemplo. Facilita a vida do produtor para fazer mais lagoa, para ter mais água represada quando chove e poder plantar mais. Assim dá para continuar atendendo a demanda interna e continuar exportando”, exemplifica o engenheiro-agrônomo.
Outro exemplo é a soja, em que o Brasil é líder mundial – sublinha Brandalizze – “porque o governo nunca atrapalhou em nada”. Nos alimentos básicos, para haver condição de oferta de alimento barato, é preciso deixar livre o fluxo de mercado.
“É preciso deixar também que o Brasil seja exportador. Sempre quando somos exportadores, o produto mais barato é daqui. O óleo de soja mais barato do mundo é o das gôndolas nos supermercados brasileiros. E o frango mais barato também é o nosso, porque temos a soja e o milho baratos para ração”, enfatiza Brandalizze.
Acordos comerciais podem ajudar a equilibrar preços
Para Oliveira, da Safras e Mercado, uma política mais eficiente seria fechar novos acordos comerciais. Ele cita o México, que poderia comprar arroz brasileiro e mandar feijão para cá.
“Formar estoques não faria muito sentido. O governo estaria comprando caro, não teria muita opção. Pode ser que cause algum recuo [no preço], mas se aumentar o dólar e começar a exportar, o preço já sobe de novo”, assinala.
Os indicadores apontam para um 2024 de margens mais satisfatórias aos produtores de arroz e de feijão, com consequente alta para os consumidores, ainda que em patamares módicos, como sustenta a Fedearroz.
Dadas as circunstâncias, o mais provável é que o discurso intervencionista do governo Lula fique apenas na retórica, a não ser nas compras governamentais em apoio aos movimentos sociais e pequenas cooperativas, ou nos prêmios para escoamento da produção para regiões menos abastecidas.
O novo patamar mundial de preços do produto, ligeiramente mais alto, não é prejudicial ao país, na avaliação de Alexandre Velho, da Fedearroz. “O que o Brasil quer? Quebrar o setor e depender só do arroz importado, que não tem a qualidade do nosso e custa igual ou mais caro? Ou quer incentivar que a área recupere um pouco para trazer equilíbrio, oferta maior e preços um pouco menores? É isso que é preciso olhar”, arremata.
Contatada pela Gazeta do Povo, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) reafirmou que, para o governo federal, “é estratégica a recomposição dos estoques públicos”. Para que isso aconteça, no entanto, disse em nota, “é fundamental a ampliação da oferta dos alimentos estratégicos”.
“Após oito anos, a Companhia Nacional de Abastecimento retomou a formação de estoques a partir da compra de 500 mil toneladas de milho, em 2023. Havia a intenção de recomposição dos estoques de arroz, mas é necessário aguardar o resultado da safra”, afirmou a Conab.
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