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Embates entre Musk e Moraes podem impactar o futuro do X – @gazetadopovo



Os próximos episódios do embate entre o bilionário Elon Musk e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes podem impactar o futuro do X, antigo Twitter, no Brasil. O empresário sul-africano que tem cidadania norte-americana, dono da plataforma, sugeriu a saída da rede do país quando ameaçou desbloquear os perfis suspensos por determinação judicial no âmbito dos inquéritos que investigam a suposta disseminação de desinformação nas redes sociais.

“Provavelmente perderemos todas as receitas no Brasil e teremos que fechar nosso escritório de lá. Mas os princípios são mais importantes do que o lucro”, escreveu o bilionário na rede social.

Por enquanto, Musk não ativou as contas bloqueadas e juristas se dividem sobre a possibilidade de bloqueio dos serviços do X por meio de ordem judicial do STF.

Matéria da Gazeta do Povo mostrou que o bloqueio da rede social no território brasileiro, apesar de tecnicamente possível, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), é uma medida extrema e vista hoje, dentro do próprio STF, como uma hipótese longe de se concretizar, uma vez que há alternativas menos graves para sancionar o X caso descumpra determinações de Moraes. É o caso da multa já comunicada por Moraes, de R$ 100 mil por dia, para cada usuário vetado por determinação do ministro que eventualmente tenha o perfil reativado na plataforma.

Por outro lado, a possibilidade da suspensão das operações a partir do próprio empresário, de perfil imprevisível, também é vista com reservas.

O Brasil é o sexto mercado do X com mais de 22 milhões de usuários, atrás apenas dos Estados Unidos, Japão, Índia, Inglaterra e Indonésia, segundo dados da plataforma alemã Statista. Somando todas as mídias sociais, são 144 milhões de usuários brasileiros. Além disso, um estudo da Digital 2024 no Brasil, mostra que o brasileiro fica mais de nove horas na internet, o que multiplica o potencial de negócios.

“É muita coisa para considerar. O Brasil é estratégico para qualquer rede social’, afirma André Luiz Barbosa, professor de Transformação Digital do Ibmec-SP. “Levando em conta o modelo de negócio e o número de usuários e internautas dentro da plataforma, haveria um impacto grande para os resultados da empresa deixar o país”.

Plataforma perdeu usuários e valor de mercado

Outros fatores pesam para a decisão. Musk, que também é dono da Tesla e SpaceX, comprou o antigo Twitter em 2022 numa transação avaliada em US$ 44 bilhões. Em pouco mais de um ano, a empresa perdeu 1/3 do seu valor de mercado. O número de usuários, apesar de ainda expressivo, também diminuiu. Chegava a 24,3 milhões em janeiro do ano passado, segundo relatório da “Data Reportal”.

O mesmo relatório mostra que o número de internautas que os profissionais de marketing poderiam alcançar com anúncios no Twitter no Brasil caiu 8,4% entre outubro de 2023 e janeiro de 2024 e o alcance potencial do anúncio recuou 8,9% entre o início do ano passado e o deste ano.

“Provavelmente, o X deverá fazer uma reestruturação do negócio no país, talvez agregando mais serviços e encontrando uma forma de monetizar a infinidade de dados que a plataforma possui. Mas é difícil pensar que possa prescindir das operações no Brasil”, afirma Barbosa.

Blindagem aos funcionários locais

Desde o último sábado (6), Musk escalou o tom das críticas e chegou a postar que Moraes deveria “renunciar ou sofrer um impeachment”. Ainda se referiu ao ministro como “ditador do Brasil” que possui “[o presidente]Lula na coleira”. Isso levou à inclusão do bilionário no inquérito sobre as milícias digitais no Supremo. O ministro também solicitou investigações à Polícia Federal.

Enquanto aparenta calcular os próximos passos, o empresário trabalha para blindar os funcionários do escritório brasileiro. “Precisamos levar nossos funcionários no Brasil para um local seguro ou que não estejam em posição de responsabilidade, então faremos um dump completo de dados”. Musk promete revelar supostas ações de inconstitucionalidade do ministro do STF. No domingo (8), postou que, em breve, “X publicará tudo o que é exigido por Moraes e como essas solicitações violam a legislação brasileira”.

Os representantes legais da empresa tentaram se antecipar às sanções e disseram ao Supremo que os colaboradores locais não têm poder de decisão sobre as notificações da Justiça, se limitando a encaminhar os ofícios das autoridades às sedes nos Estados Unidos e na Irlanda. Na terça-feira (9), Moraes negou o pedido de isentar os funcionários do país no caso de descumprimento de ordens judiciais e disse que beiravam “litigância de má-fé”. No mesmo dia, o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, enviou um parecer ao STF defendendo que representantes do X no Brasil sejam interpelados.

Felipe Medron, especialista em Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), afirma que é preciso investigar até que ponto vai a autonomia dos funcionários locais. “Mas a princípio, estão sujeitos à responsabilização”, diz.

Ele lembra o caso da prisão do vice-presidente do Facebook na América Latina, Diego Jorge Dzodan, a pedido da Justiça de Sergipe, após a rede social descumprir decisão judicial de compartilhar informações trocadas no WhatsApp por suspeitos de tráfico de drogas.

“Foi uma decisão extremada. O executivo foi solto imediatamente porque se percebeu que, de fato, não tinha autonomia para realizar a quebra da criptografia de ponta a ponta que estava sendo pedida pela Justiça. Mas não dá para dizer como será neste caso. Vai depender das investigações”, diz Medron.

Acusações frágeis contra Elon Musk

Moraes imputou a Musk os delitos de incitação ao crime (cuja pena é de
detenção, de três a seis meses, ou multa); desobediência a decisão
judicial (com pena de três meses a dois anos de detenção, ou multa); e
obstrução de Justiça, por suposto embaraço a investigação de infração
penal que envolva organização criminosa (punível com 3 a 8 anos de
reclusão, mais multa).

Vários juristas criticaram a decisão e consideraram as imputações pouco sólidas, principalmente pelo fato de que, apesar do anúncio, nenhum perfil censurado por Moraes foi reativado para usuários brasileiros. Nem nessa situação, entendem alguns, haveria crime. Além disso, nenhuma decisão sigilosa do ministro foi divulgada pela plataforma, como Musk afirmou que ocorreria.

André Marsiglia, constitucionalista especializado em liberdade de expressão, questionou a ligação que Moraes faz entre as declarações de Musk e a suposta prática de crimes por terceiros. Para haver incitação ao crime, argumenta, é necessário vincular a fala de alguém à ação criminosa de outrem. “A fala de Musk precisaria explicitamente incentivar a agressão de terceiros. Não vi nada nesse teor. Não me pareceu haver conexão possível entre fala dele e eventual agressão de terceiros”, postou na própria rede X.

Outra fragilidade da decisão é a suposição de que Musk estaria propositalmente manipulando a rede social para mobilizar a opinião pública contra o STF. “Dizer que suas manifestações foram criminosas parece ser controverso, dizer que ele usou a estrutura de sua rede para impulsionar sua crítica é um passo grande. Dizer, por fim, que possuía intenção dolosa de desestabilizar a opinião pública, atentando contra a soberania do país é um passo e tanto, que não pode ser suposto, exige indícios robustos que não encontrei na decisão”, escreveu Marsiglia.

À reportagem, ele explicou que o crime de desobediência não se configuraria caso a rede reativasse perfis. Isso porque o próprio ministro estipulou multa em caso de descumprimento da decisão de bloqueio. “Sempre que há sanções administrativas, não há crime. É comum que em ordens de censura, um veículo avalie arcar com multas enquanto recorre para derrubar uma decisão que considere injusta. Não há ilícito algum nisso”, argumenta.

Para ele, é pouco provável que a investigação resulte em denúncia e condenação. “É mais um recado à sociedade e a Elon Musk do que qualquer outra medida efetiva”, disse à reportagem.

Doutora em direito comercial pela USP, Érica Gorga criticou, também na rede X, as inferências de Moraes sobre as manifestações de Musk. “Fazer perguntas, defender impeachment, pedir renúncia de cargo são formas de pleno exercício da liberdade de expressão constitucionalmente assegurada que jamais poderiam se configurar em ‘instrumentalização criminosa das redes’ em uma democracia”, postou. “A frase utilizada é somente retórica jurídica vazia que não explicita qual o crime que a pessoa teria supostamente cometido, como requer a lei processual/penal brasileira que exige a tipificação clara do delito ou crime.”

Professora de direito constitucional, Vera Chemim entende que Musk apenas criticou as crescentes restrições à liberdade de expressão previstas no artigo 5º da Constituição. “Essas críticas não são passíveis de sanções de qualquer natureza. O que está ocorrendo é uma simulação para fazer algo parecer o que não é, e, por essa razão, não pode ser efetivamente comprovado”, disse. Ela destaca que Musk não é brasileiro e suas críticas são comuns nos Estados Unidos, protegidas pela liberdade de expressão. “Sejam elas ácidas ou duras, o que prevalece é a liberdade de expressão em todas as suas formas.”

Especializado em direito digital, o advogado Hélio Moraes considera exagerado o procedimento adotado por Moraes, principalmente ao alegar desobediência e obstrução da Justiça. “O juiz apresentou indícios de intenção criminosa ou ameaças, mas sem uma sustentação técnica adequada. Falar em risco para a soberania foi também um exagero. No final das contas, tratou-se de uma disputa verbal transformada em questão institucional”, observou.

“As manifestações de Musk nas redes sociais parecem ser uma alternativa que as empresas usam para questionar decisões judiciais que contestam. Muitas acreditam que influenciar a opinião pública é uma forma de agir, criando constrangimento para autoridades. Mas chamar isso de desobediência é exagerado”, acrescentou Hélio Moraes, lembrando que a única forma de contestar as decisões de Moraes contra o X seria recorrer ao próprio STF, o que limita a defesa.

Fora isso, a investigação tem problemas já conhecidos nos inquéritos de Moraes: falta de competência para apurar a conduta de alguém sem foro privilegiado na Corte; conexão pouco clara com as chamadas “milícias digitais” (termo aliás, cunhado pelo ministro e também mal conceituado para fins penais); além da iniciativa própria em abrir a investigação, sem qualquer provocação da Polícia Federal e da PGR, órgãos a quem caberia apurar crimes.

“Parece indiscutível que ele violou a inércia da jurisdição, as regras de competência originária, o sistema acusatório e a garantia de imparcialidade, mas, ainda fiquei com uma dúvida sincera: qual foi o post que o Elon Musk publicou que caracteriza o crime de incitação ao crime? E de obstrução da Justiça? Na decisão do Alexandre de Moraes ele não indica qual, só faz uma afirmação genérica”, postou no X o procurador de Justiça do Paraná e professor de processo penal Rodrigo Chemim.

Musk e apoiadores indicam uso de VPN

Diante da possibilidade de bloqueio do X, Musk defendeu, no domingo (8), que os usuários brasileiros instalem um VPN, Virtual Private Network, dispositivo que cria uma rede privada virtual no celular ou computador, permitindo acessar sites bloqueados.

“É uma ferramenta bastante comum no meio tecnológico que dá um acesso alternativo, um túnel que liga à internet. É como se você pudesse escolher uma construtora que fizesse uma estrada para você acessar a rede”, explica Marcelo Crespo, coordenador de Direito da ESPM-SP.

Existem diversos tipos de provedores de VPN com as mais variadas qualidades níveis de segurança. Elas funcionam mascarando os endereços IP do usuário e criptografando os dados para que se tornem ilegíveis por qualquer pessoa não autorizada a recebê-los. “Assim, não é possível saber o local de onde se está acessando”, diz Crespo.

As VPNs já foram usadas em outros momentos de bloqueio do WhatsApp e outras mídias. Não existe uma regulamentação específica que limite seu uso. Por isso, apoiadores de Musk têm disseminado a alternativa.

Crespo alerta, no entanto, que, caso o serviço seja mesmo bloqueado por decisão judicial, pode-se chegar a “uma construção jurídica que associe o usuário ao descumprimento da determinação”.

Starlink também foi opção levantada

Elon Musk voltou a anunciar nesta segunda-feira (8) uma oferta de desconto em pacotes para clientes do Brasil da Starlink, sua empresa de internet por satélite. A promoção, iniciada em 5 de abril, reduz o preço do kit da empresa pela metade.

A iniciativa também foi vista como forma de favorecer o acesso ao X no caso de bloqueio. A Starlink lidera o mercado de internet por satélite no Brasil, em especial em regiões mais isoladas, como nos estados da Amazônia Legal. Até julho do ano passado, 90% das cidades da região usavam provedores de banda larga fixa por satélite da empresa, segundo levantamento realizado pela BBC News Brasil.

Caso o bloqueio seja decretado, no cenário de acesso via satélite, avalia Felipe Medron, haveria responsabilização direta da empresa e usuários. “Seria uma forma de possibilitar a entrada na rede burlando a legislação, o que caracterizaria o descumprimento de uma ordem judicial”, afirma.

Qualquer alternativa para o acesso dos usuários, no entanto, segundo os analistas, deve ser temporário e incapaz de contemplar as necessidades de negócios do X.

“O uso de VPNs, por exemplo, tem um alcance residual. Menos de 10% dos usuários tendem a encampar a iniciativa”, diz Marcelo Paganini, professor do curso de Administração da ESPM. “É muito aquém das necessidades do negócio”.

O especialista acredita que o bilionário está testando os limites do embate numa perspectiva ideológica da discussão sobre a liberdade de expressão. “É importante travar essa discussão e quem tem que fazer isso é o Congresso com a regulamentação”, diz.

O debate sobre regulamentação das redes sociais, travado no país devido ao receio de parte da sociedade com risco de censura, tende a ser retomado. O projeto de lei 2.630, conhecido como PL das Fake News e alvo de inúmeras controvérsias, já foi enterrado pelo presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL). “Nunca foi possível conseguir um consenso. Ele estava fadado, não ia a canto algum”, disse Lira na terça-feira(9).

Um grupo de trabalho foi criado para elaborar um novo projeto, com a inclusão de temas ligado à regulamentação da Inteligência Artificial. Não há garantias de que vá avançar.

“O importante é garantir que as plataformas possam dar voz às diferentes opiniões e os excessos sejam coibidos dentro das normas do Estado Democrático de Direito já existentes, sem prejuízo da liberdade de expressão”, afirma Paganini.



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