Podcast: Ep 2 – Nelson Triunfo a história viva do Hip Hop – @agenciabrasil
EPISÓDIO 2: Nelson Triunfo
Sobe som ? Rappers Delight, de Sugarhill Gang
Vinheta: Dos griôs da África para as periferias do mundo: 50 anos de Hip Hop
Sobe som ? “cinco, seis, sete, oito… Sex Machine – James Brown… ahhhhh, joga, joga, joga… ahhh… Valeu… uuuuhhhh…”
Daniel Mello: A conversa que trazemos hoje foi gravada no centro de São Paulo. Claro, com muita música e dança. Aos 69 anos, o dançarino precursor do break no Brasil, Nelson Triunfo, continua mostrando seu swing e exibindo o cabelo black power imponente e esvoaçante, uma marca registrada desde 1983, quando ele e o grupo Original Funk levaram para as ruas de São Paulo a dança que apresentavam em bailes.
Sobe som ? Funk Brother Soul, Gérson King Combo
“Vou lhe mostrar como se dança o funk brother soul”…
Daniel Mello: Eu sou Daniel Mello, jornalista da Empresa Brasil de Comunicação e você confere o segundo episódio do podcast sobre os 50 anos da cultura Hip Hop no mundo.
Hoje Nelson Triunfo fala sobre os primeiros anos no Brasil até a consolidação do Hip Hop como uma cultura urbana no país, com capacidade de transformação social.
Sobe som ?
Daniel Mello: O Hip Hop, então, ele abre os horizontes da juventude.
Nelson Triunfo: É, principalmente porque nós lidamos, naquele momento imediato, com problema que era resolvido só através o assistencialismo. Nós chegamos com a mudança do cidadão. ‘Ó aí o cidadão mudado, sobrevive da dança”.
Daniel Mello: Qual a diferença do assistencialismo e mudar a cabeça do cidadão?
Nelson Triunfo: No assistencialismo, é que eu te dou hoje o pão, você come e amanhã você tá sem ele. No assistencialismo, é que eu te arranjo uma coisa que vai durar uma semana, terminou aquela semana, você tá sem ela. E a transformação do cidadão é que você não vai mais precisar tanto desse assistencialismo mais, você vai ser o seu protagonista, a sua história e você vai buscar o seu dinheiro através da sua arte, não ficar pedindo que ninguém te dê nada.
Daniel Mello: Quantos anos aí de história fazendo isso já?
Nelson Triunfo: Em São Paulo, já 40 anos. Quer dizer que conta a partir do momento que eu fui pra rua, porque, meu brother, eu já falei que nós já sabíamos um pouco, né? Mas a partir que eu fui pra rua no início de 83, aí sim dá 40 anos.
Daniel Mello: Essa questão do Movimento Negro Unificado, você falou da violência policial, e que foi um movimento que surgiu também em reação à violência policial, né?
Nelson Triunfo: É, mas tudo tem uma coisa presa com outra, entendeu? Você falou, o Hip Hop, aí se você for olhar, as pessoas que surgiram lá, eram os netos dos black panthers, sobrinhos, era família dos black panthers. Pessoas quem quando eles começaram a rimar, trouxeram também ideologias do Mandela, do Steve Biko.
Daniel Mello: Isso nos Estados Unidos.
Nelson Triunfo: Nos Estados Unidos, eles trouxeram ideias. Ao ele vir pra São Paulo, a gente viu também que a grande maioria dos negros lá fora, dentro do Hip Hop, eram negros que representavam. E também como nós temos uma grande população negra, também a nossa maior população aqui do Hip Hop foi se tornando a população negra.
O único problema que nós tínhamos na época era que, de uma certa, forma o Hip Hop vindo dos Estados Unidos era muito machista demais e pá. Eu já tinha trabalhado na casa do Hip Hop esse desenvolvimento novo, que era o lado social do Hip Hop, da gente mostrar o quanto era importante você ler o livro, quanto era importante você ir atrás disso e daquilo, e com isso tem o legado que nós temos hoje, então nós tínhamos um Hip Hop, mas abrangente que além do lado musical artístico, nós tínhamos uma militância. Por quê? Porque ela vinha do MNU, ela vinha de outras posses, ela vinha de uma Aliança Negra, ela vinha de uma voz ativa, ela vinha de um conceito de rua. Tudo posses que, na época, era formado por vários grupos de Mc de áreas diferentes e que discutiam politicamente o que fazer pela área, o que fazer com jovens, e justamente como trabalhar aquelas oficinas culturais em escola, em espaços com jovens. Então por isso nós que desenvolvemos sim. Como trabalhar com os jovens periféricos Hip Hop.
Daniel Mello: Aí você tava falando, né, da formação do Hip Hop, há 50 anos atrás, os quatro elementos.
Nelson Triunfo: Poxa, mano, se formou em 73. Mas se for muito em 73, é porque já existia os elementos. Mas ali foi crescendo, crescendo, em 81, 82, já tinha filmes começando no Bronx e tudo isso. E ele estavam também já indo para o centro de New York, já num outro patamar do movimento, entendeu? Nós também já estávamos indo em São Paulo, então o nosso aqui tem 40 anos porque conta a partir do início de 83, quando eu levei pela primeira vez com meu grupo pra rua. Mas, vem cá, se nós levamos em 83, é porque também nós já tinha os elementos.
Daniel Mello: Mas como foi seu primeiro contato, quando você valou ‘isso é da hora, isso eu quero fazer”.
Nelson Triunfo: Então, cara, porque nós já vinha, como eu te falei, do Original Funk. Nós já dançávamos no Chic Show robo, já dançávamos wave, já dançava um pouquinho de locking, pá, né? Quando a gente ia para o Black Rio, os cara dançavam só soul Original Funk. E quando foi surgindo a virada, nós fomos vendo algumas coisas lá fora, o pessoal de uma TV aí, Silvio Santos, chamou a gente para imitar um pessoal da Soul Train, que justamente era o The Lockers e depois os cara do Bugaloo, só que eu nem sabia que tinha a ver depois com o popping, com o locking, com o wave, que vinha mais de Fresno, não vinha mais de Los Angeles do que New York, que era o rap que era o break, né? E tudo isso foi chegando, assim, através disso, daquilo e eu como tava preparado, disse ‘é agora’. Chamei o grupo e eu digo ‘vamos para a rua’. Mas não era fácil, de vez em quando eu pego um B.O, eu ia preso. Eu ia preso direto. Tinha um delegado no Bexiga que quando eu chegava lá ele falava: ‘poxa rapaz, você de novo?’ Eu falo ‘doutor, eu não gosto de vir aqui, é os homens que me traz”.
Daniel Mello: Por falar em rua, tem uma história com a pedra, também, né? Você disse que faziam na frente do Mappin, mas escolheram aqui porque aqui…
Nelson Triunfo: Por causa disso, ó a largura da pedra ó. Numa pedra dessa aqui, dessa dali, dá para você girar de cabeça, andar para lá, né? A gente ia lá e depois, aqui ó, era é muito legal, dava um backslide e ia embora, movimentos que, entendeu, para rodar a cabeça, costas, então era um espaço que não tinha em outras pedras. As outras pedras na rua eram desse tamanho, era um pequenas, então não tinha como você fazer isso. E essas pedronas aí era tudo o que nós precisamos. A gente bombava essa rua, era muito legal, cara.
Daniel Mello: E como era essa relação de vocês ali com São Bento, vocês foram pra São Bento depois?
Nelson Triunfo: A relação com a São Bento, eu vou falar agora aqui para o Brasil saber a verdadeira verdade. No final de 84 eu tive problema de saúde, dançando muito, não alimentava, tava magrão e estafado. Aí o médico falou ‘ó cara, você tem que parar para se cuidar, que você se pegar uma gripe aí corre risco”, né? Eu digo, mas como assim, então calma, deixa eu dar um passeio lá, visitar meu pessoal. Fui embora, passar um dia lá com meus pais, minha irmãs na época, né? Aí, em 85, os cara que faziam aqui comigo voltaram para dançar aqui. Só que a polícia pegou pesado com eles. Como eles não tinha o blá blá blá, que eu era o MC, o cara mais velho que falava, não deu jeito, não deu certo. Aí eles começaram a procurar um lugar para ensaiar, foram no Bom Retiro, foram na Tiradentes, mas descobriram a São Bento, que foi aquilo que deu certo. Aí já em meados de 85 eu tava de volta e nós fortalecemos tudo. Aí já foi chegando o Thaíde, o DJ Hum, um bocado de gente, Mano Brown, todo mundo fez parte dali da São Bento. Os próprios Gêmeos, eu me lembro que o Marcelinho e o Alan Beat iam buscar eles lá no Cambuci, na casa da mãe deles, que eles eram pequenos demais, não dava pra vir sozinho, né? Aí a São Bento estourou, virou aquele point nacional. Foi lá onde fez o primeiro evento nacional de disputa de danças de batalhas, numa boa.
Daniel Mello: E hoje, para onde você vê a cena do Hip Hop caminhando?
Nelson Triunfo: Eu vejo um caminho aberto, como tem pro samba, como tem pro Rock, que nenhuma moda vai fazer 50 anos. Uma moda dura um ano, um pouco mais, até um pouco menos, porque são coisas imediatas. Se nós estamos com 40 aqui, 50, isso quer dizer que nós somos já uma cultura sólida, certo? O que é que vai continuar? Eu acho que vai ser as coisas que vão pintando, como agora tem as Olimpíadas, o nosso Break já entrou como um esporte. Quer dizer, vai ficar muito melhor, digamos, para a gente fazer as batera de break, porque vai ter mais um nome nas olimpíadas e de repente vai ser mais fácil de arranjar um patrocínio, uma coisa.
Daniel Mello: Você acha que ajuda muito estar nas Olimpíadas?
Nelson Triunfo: Ajuda nesse sentido. Nesse sentido de ter mais batalhas. Mas naquela de ir pra olimpíada mesmo é mais uma ilusão, porque são milhares de dançarinos e lá só vai dois ou três, não sei, quer dizer, não vai praticamente ninguém. Então, o mais importante é o que vai acontecer antes, vai ser os torneios que vão acontecer.
Daniel Mello: Acho que é isso, Nelson. Tem alguma coisa você acha muito importante a gente falar sobre Hip Hop, que não te perguntaram, alguma coisa que você queria aprofundar?
Nelson Triunfo: Olha é que o Hip Hop ele é um complexo, digamos que estourou agora nos anos 80 para frente, mas ele já existia em vários outros tempos. Se você for olhar em 1959 já tinham tribos na África fazendo moinho no chão, fazendo um bocado de coisa, já tinha a gente nos anos 60 no Brasil, fazendo o coco embolada, que é um rap. ‘Mas é verdade que o meu nome é Nelson, esse cabra é o cão dançando break no chão. Rápido que nem um raio e liso que nem sabão. Já o DJ fazendo scratcher no disco, mistura som de corisco até mesmo com trovão. Nesse mano eu faço fé que tira o som que ele quiser, tchi tchi’. Isso é um flow, isso é uma levada. Do mesmo jeito que o Luiz Gonzaga fazia ‘meu pé de serra, tchon, eu não deixo, tchon, tchu tchun, tun dun tchon’. Ali nos anos 50 passa 60, meu irmão, anos depois quando alguém pôs no ouvido dele o Bob Marley, ‘I wanna love you’, ele grelou os olhos assim e ficou escutando aquilo, né. Ele falou ‘isso aqui é um chotinho metido a besta’. Não é legal? É louco, mano, então, nós tivemos tudo na nossa mão, os cara muitas vezes levou lá para fora e deu lapidado para a gente, customizado, falando que é deles, ó.
Daniel Mello: Então é isso, cultura negra, cultura nordestina, está tudo junto.
Nelson Triunfo: Tudo junto, meu. Inclusive o cara que trouxe para rua é nordestino, né, cara. É tantas coisas que tem a ver com a gente, entendeu? E é Brasil, Brasil o mesmo RG que fala que eu sou brasileiro, fala que o do Rio Grande do Sul, que do Amazonas é brasileiro. Nós somos brasileiro e o que for de bom nesse Brasil, nós estamos junto, é nóis.
Daniel Mello: Hoje, o que que te move no Hip Hop?
Nelson Triunfo: Hoje o que me move mais é saber que através do Hip Hop, eu posso melhorar nossa educação. E posso através do Hip Hop também mostrar o quanto é importante o respeito pela diversidade cultural. Firmeza?
Sobe som ? Senhor Tempo Bom, Thaíde e DJ Hum
Nelson Triunfo: (Cantando Rap) Triunfo, sinônimo de Vitória, mas nunca me entreguei não vai ser agora porque eu sei, eu sei. quanto mais difícil mais linda será a história. A vida me ensinou como um grio, eu vou fazer vocês o mundo inteiro entender o valor preciso do ser ou não ser. Eis a questão porque não, aí vão entrar na briga de sim com o não, então. Olhe nos meus olhos, sejam verdadeiro pouco importa se eu sou Nelson Pioneiro, na verdade que o senhor é um guerreiro, mas brasileiro impossível, na batalha diária, na área, experiência necessária manos para sobrevivência, entende? Porque aqui que ninguém é mais que ninguém. Paz!
Sobe som ?
Senhor Tempo Bom, Thaíde e DJ Hum
“Estou sempre junto dos blacks que ainda existem
Me lembro muito bem do som e o passinho marcado
Eram mostrados por quem entende do assunto
E lá estavam Nino Brown e Nelso Triunfo
Juntamente com a funkcia que maravilha
Que tempo bom, que não volta nunca mais”
CRÉDITOS:
Daniel Mello: Você conferiu o segundo episódio do Podcast Dos griôs da África para as periferias do mundo: 50 anos de Hip Hop. Uma produção da Radioagência Nacional.
A reportagem, entrevistas e narração foram minhas, Daniel Mello.
Com produção de Sara Quines.
Adaptação, edição, roteiro e montagem de Akemi Nitahara.
A coordenação de processos é da Beatriz Arcoverde
Sonoplastia: Jaílton Sodré
Música tema da série: Rappers Delight, de Sugarhill Gang
Neste episódio também utilizamos as músicas Sex Machine, de James Brown, Funk Brother Soul, de Gérson King Combo, e Senhor Tempo Bom, de Thaíde e DJ Hum.
No terceiro episódio do podcast, nossa entrevistada é Sharylane, a primeira rapper a ser gravada no Brasil.
Sobe som ?
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