Envelhecimento da população negra é tema de espetáculo em São Paulo – @agenciabrasil
O espetáculo Bom dia, Eternidade, da companhia O Bonde, tem lotado o teatro onde está em cartaz, no Sesc Consolação, na cidade de São Paulo.
A faixa etária do elenco musical vai dos 60 aos 85 anos. Artistas negros e mais velhos presentes no palco narram as próprias histórias.
Já na primeira cena da peça, questões são colocadas para a plateia: como as pessoas negras se imaginam envelhecendo no Brasil? Quais corpos têm o direito ao envelhecimento digno?
Idosos em cena, com voz e cor, em um país que se revela cada vez mais velho – a expectativa de viver, segundo o Censo do IBGE, em 2022, no Brasil, era de até os 75,5 anos. Um país mais velho e que se reconhece mais negro: o mesmo Censo diz que 55% da população se identifica como preta ou parda.
Em duas horas de espetáculo, jovens atores do Bonde e músicos idosos revisitam as histórias das próprias famílias, as migrações, os causos, as avós, os cafés, os despejos urbanos e tudo o que faz parte da memória social – e pessoal – de um corpo negro e velho.
“Jamais prenderão o meu canto. Solo de metal, nem nunca foi instrumento. Não será um falso céu de onde não ecoará o meu cantar. Pode crer enquanto eu puder voar, pequena. Pode crer enquanto eu puder voar”.
No palco, histórias como a da agora atriz e cantora Maria Inês, que vocês acabaram de ouvir cantando. Cabeleireira por 50 anos, Maria Inês sempre quis ser cantora. Impedida pelo pai, guardou o sonho e agora o realiza na velhice. Aos 73 anos, já bisavó, ela mesma conta de si:
“Eu nunca me imaginei com 73 anos nessa posição que estou agora. Está sendo incrível pra mim e para os meus filhos, que estão super orgulhosos que não deixei pra lá a minha vontade e pude realizar”, diz Maria Inês.
Em cena ao lado de Maria Inês, o maestro e pianista Roberto Mendes também integra a banda composta por músicos com mais de 60 anos. Nascido num bairro periférico da zona norte de São Paulo, ele conta que quando mais jovem, não se imaginava envelhecendo, nem passando dos 30. Hoje prestes a completar 60 anos, Roberto afirma que o ofício de músico e de artista lhe deu fôlego e perspectiva de vida.
“Mais próximo desse ser velho, eu sinto que eu vou ter que lutar todos os dias, todas as horas. Esse lutar é: eu estudo todos os dias, eu canto todos os dias, eu saio pra fazer compras, pra fazer qualquer coisa. Não me deixam esquecer que seu sou negro, que eu sou gay e que eu estou ficando velho. Isso é uma sociedade inteira que a gente tem pra fazer isso com a gente. Essa afirmação poderosa é o que me mantém vivo”, afirma Roberto.
Em Bom dia, Eternidade todos esses relatos reais se misturam à ficção, documentos históricos, objetos pessoais e afetivos, e a muitos sambas, tocados e cantados ao vivo.
Imaginar outras velhices possíveis, em que sonhos e realizações possam ser possíveis aos corpos negros mais antigos. Para Filipe Celestino, um dos fundadores e um dos atores mais jovens do grupo O Bonde, é este o maior aprendizado do convívio e experiência nestes últimos cinco meses entre preparação e espetáculo em cena.
“É uma realidade tanto desses senhores mais velhos que fazem parte do espetáculo quanto das pessoas que a gente pergunta na peça, de que a velhice é algo muito impalpável, tudo muito distante. Todos eles falam que não se imaginavam passando dos 30 anos. Ser um corpo preto e periférico tem uma margem de vida muito baixa no nosso país. Foi importante pra gente, trazê-los para o espetáculo e pedir para que falassem por si mesmos, narrassem suas próprias histórias. E também exaltar e celebrar esses artistas ainda em vida”.
Em abril, o espetáculo Bom dia, Eternidade, segue em nova temporada, no teatro da Universidade de São Paulo (USP).
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